domingo, 24 de março de 2024

PEGASUS

 




         O telhado tem telhas quebradas, tu sabes, o vento assobia por ali ou talvez não seja o vento. Talvez sejam as asas de Pégaso, no seu voo de liberdade. Abri as janelas e as portas para que ele pudesse voar por entre os trovões que se aproximam e me deixam o espírito ainda mais molhado. Ele voa livre como quero que tu voes, sei que precisas do teu espaço, do teu tempo. É o teu tempo. Não posso deixar-te preso no meu quintal, não posso ver-te entristecer e murchar como as flores que me esqueço de regar. Não te quero ver caído e morto ou vivo e mascarado. E tu preferes ficar sentado , sem nada dizer ou falar, hipnotisado pelas asas do cavalo alado. Não sei quem vence, se a vida, se a morte, mas tudo desaparece no tempo. Temos pouco, tu sabes, é melhor dizer e fazer tudo agora porque se não  dissermos ou fizermos , não sei, ficaremos incompletos e não teremos vivido, ou teremos, mas será sempre uma vida material e breve, de uma dimensão apenas, não vislumbraremos o outro lado, não nos libertaremos do que é real,  e nós sabemos que há sempre algo para observar quando chove e há outros cheiros.

        Leva-nos cavalo alado, leva-nos contigo para que possamos renascer e viver para além da superfície.


Maria Luís Koen


LINCE

 



                                                                                                    ( foto – lince da bimago)

És múltiplas dimensões

 um guardador de segredos.

És o silêncio que me cerca

a voz invisível  

o poder

o ar e o vento

a fonte

mistério.

Teus olhos são janelas

 guardiãs de palavras ditas

sonhos nossos de fartura.

E depois

Há o que o pensamento não

explica

A visão sem limites.

És tu.

Tu és a verdade

E nada mais.

És lince.



Maria Luís Koen



sábado, 31 de dezembro de 2022

Momentos chave

 


Quem te quiser ver

bate à tua porta e vê

ou não

e olha.

Se quiseres tu ver

bates àquela porta e esperas.

Ficas mal se não querem abrir

e não olhas

não dizes

não dás.

Momentos chave-

- tristes, se com maldade adiados

-alegres,  se com amizade saudados.

Por vezes soltam palavras ocas,

as bocas,

com pouco significado

a dizer aquela desculpa:

- o Natal não é hoje, é sempre que um homem quiser

- o Ano Novo é :

amanhã telefono

amanhã passo aí

amanhã vou

amanhã.

Frases que escondem o

         NÃO

Não te quero aqui

Não quero conversa

Não quero saber se me queres bem

Não quero saber se estás bem.

Mas 

quem te quer olhar, sabe.

Sabe onde estás e o que sentes.

Quem te quer,

quer

e tu sentes.

Quem só finge que te quer

tu vês

sabes

sabes que é só mentira.

Por isso

quem quiser vir

eu abro a porta.

Que venha com amor e fique

Uma minha pessoa

Pessoa minha.

                                              

                                         Feliz Ano Novo!!


Maria Luís Koen

domingo, 30 de maio de 2021

Cinema

 

                                                               janusz  orzechowski


Foi ao cinema, alegre, feliz como já não acontecia desde que mudou de cidade e de vida. Parecia fantástico estar ali viva, depois de quase uma ano em que desacreditou tudo o que viveu, em que, doente, deixou de agir e pensar positivo, como hoje, como agora. Bilhetes na mão, aguarda na fila como se fosse a primeira vez num cinema, numa sala escura, cheia de olhos ou contornos escuros de cabeças. Sim, olha em redor e pensa que renasceu ou recomeçou - um novo começo, o presságio de algo, finalmente bom. Não lhe interessa o murmúrio do casal ao lado, o facto de continuar com medo. Não, ela sabe que é assim, que a vida acontece em cada instante, as coisas fluem, as pessoas ficam ou seguem o seu caminho. Aguarda, no silêncio que se faz na sala, o começo de uma história em que não tem que tomar decisões, apenas fluir na paciência ou impaciência que o filme lhe vai trazer. Está feliz.



sexta-feira, 28 de maio de 2021

É fim de tarde

 


                                                                (Monika Luniak)

Sento-me na areia, com vento e sol, ao amanhecer e, por vezes, ao anoitecer.  Penso como é insuportável imaginar que posso deixar de te provar e às tuas emoções. As coisas continuam, há perdas, eu sei, mas gostava de ver tudo claramente quando olho para ti, e não consigo. Não é falta de oportunidade ou falta de luz, é o constante do dia a dia, talvez, ou o obscuro medo de te perder que me deixa , assim, inerte, esquecida de sorrir, parada, sentindo tudo e nada.

Só queria ser feliz contigo.

À mesa do café bebo o que os teus olhos dizem. Na acalmia do dia vejo, sem erro ou mania, que nada é perfeito, nem nós. És como um espelho que nos mostra o começo ou o fim. Ambos sabemos, mesmo sem palavras, no meio de um cigarro aceso lentamente, sabemos sempre, às vezes até com delicadeza, que houve um erro. O erro de chamarmos amor, ou o descuido, a pressa,  de entrar e estar dentro do que dizem ser bom. Quem errou não sei. É fim da tarde, cheira a mar e quero mesmo é ter saudade do brilho que ficou, da fome que está por vir.

        

Maria Luís Koen




domingo, 23 de maio de 2021

Memórias

 


                                                                     jouke kruijer


      Não sei se vegetar é a palavra certa, mas ela vegeta em alegria. Abre a caixa escondida desde os tempos da faculdade e rejubila. Não recordava já o quanto  necessário é tudo o que lá está. Não sendo, agora que remexe nos escritos, nos postais, nas cartas e alguns recortes, nas fotos, sabe que tudo, tudo continua presente, continua dor ausente. Por isso, guarda de novo a caixa, sem dor, quase num segredo que é só dela e rejubila porque sabe que, se procurar, a dor volta, se remexer, as alegrias assomam, a saudade aperta. Prefere vegetar na calma que o dia lhe oferece, pensar nas coisas bonitas que , agora, raramente acontecem, aceitar que deu sem receber grande coisa, sei lá, aceitar saber coisas das pessoas que nem elas próprias conhecem, olhá-las e ler o que vai lá dentro, perceber que muitas vezes são más mesmo sendo boas. Isso não seria bem aceite, diria até que jamais seria perdoada, amada. É só respirar fundo e calmamente viver sem sentir nada, nada que de facto incomode, ou sentir alguma coisa, como o cheiro das rosas que estão no canteiro, vermelhas, com picos. Isso sim, interessa, pede  atenção e alegria, sem nada esperar, nada. 


Maria Luís

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Não posso viver sem ti

 

                                                                     (Ranaking)

  Quando menos esperamos, tudo acontece.

  Sim, é isso mesmo que ouves, desculpa este telefonema sem nexo, desculpa acordar-te para dizer ninharias, mas para mim não são, são só o pretexto para ouvir a tua voz, mesmo que zangada, irada por te acordar de madrugada. Não consigo mais continuar neste jogo do sim e do não, ou do meio sim e do meio não ou outro qualquer cujo nome não sei, mas assim, assim vou continuar a ligar-te de madrugada para te ouvir zangada.

  Não quero ser precipitado e não te quero assustar com estes ímpetos noturnos, mas não posso continuar sem dormir. Ontem dormi tão pouco, talvez duas ou três horas, não sei precisar, e nas noites anteriores pouco mais. Por isso, não quero saber se ficas irada, porque agora tudo gira dentro de mim, do meu pensamento e já não tenho medo de poder ficar sozinho, ficar sem ti, vazio.

  Desculpa os telefonemas, não sei se vou conseguir não ouvir a tua voz, mesmo que irada. Não destruas isto que está prestes a acontecer, não faças isso. Vou chorar-  

-minto. Ainda me resta alguma dignidade, mesmo a implorar. Já te imagino a cair comigo numa espécie de ratoeira de angústia, individualista, onde as promessas não serão cumpridas  e, por isso, não quero ficar calado, não posso viver, não quero ficar sem ti.



Maria Luís Koen


Nada para ser dito

 

                                                                    ( Lia Melia)


Nada para ser dito.


Sei

das palavras gastas,

gestos iguais ao

início.

 

Performance.

 

O amor a não ser

desejo

e fome

 

Na boca em

mãos misturadas

nos cheiros

 

Até nada continuar

a ser dito

Até nada dito

Nada.

 

Pode ser o fim.




Maria Luís


quarta-feira, 21 de abril de 2021

Com ou sem alento

 

                                                                 (@Leonid Afremov)

Acordar às sete e sair para caminhar. Todos os dias, Inverno ou Verão, sempre a mesma rotina – um meio de limpar as teias confusas que baralham, varrer as ideias, às vezes tristes, sacudir as possíveis depressões. Acordo às seis. Quando chove, oiço as pingas a bater no asfalto da rua. Continuo de olhos fechados, imagino o cheiro e é alívio. Levanto-me. Vou. Caminho sem saber por onde. Passo seguido de outro passo. Encontro a Zilda. Por vezes caminhamos juntas, outras vezes cada uma segue o seu caminho, as suas motivações. Quando juntas não falamos muito. Apenas algumas palavras de alento ou cortesia. Não é isso que buscamos. Cada uma com os seus pensamentos, ela e eu, respiramos em sintonia, com ou sem alento, o ar sempre frio da manhã. A Zilda forte, a Zilda fraca, a Zilda das mil faces, a Zilda eu, todos os dias sai, mesmo com dores, alegre ou triste, sem prescindir do caminho, deste caminho, destas pedras soltas, deste ribeiro que corre, devagarinho, ao lado das mesmas árvores, as de todos os dias.


Maria Luís Koen


sexta-feira, 16 de abril de 2021

A fonte

  

                                                              (vytautas .poska)


      Chega desta constante falta. Já basta. Agora tenho que caminhar de novo, procurar outras paisagens. Não há outro remédio. Vou direto a Paris ou Londres ou outra qualquer capital onde sou um incógnito passageiro em busca de um novo caminho, não sei se de paz, mas um caminho que me ofereça beleza, que seja branco e nada sinuoso. A falta vai existir sempre. Falta sempre alguma coisa, até na felicidade. Mas vou. Sei que vai ser duro, sei que vou ter fome do que deixei e que vou sentir frio, também, ou talvez aconteça o oposto e nada disto, nada destes temores e pensamentos negativos, apareça. E, em vez deles, outras flores, que permitam desencadear um novo processo, um novo caminho e sejam a fonte, a porta, o outro lado do muro.


Maria Luís Koen


                                            

terça-feira, 13 de abril de 2021

A pessoa certa

 

                                                               (Victor Nizovtsev)


Tentou muitas vezes não errar, escolher a pessoa certa, aquela cujas vibrações fossem muito positivas, que lhe trouxessem calma e não agitação, tentou, mas pensa não ter conseguido descobrir essa pessoa. Depois de tanta busca, de tanto mirar e escrutinar essa gente que passa por ela e fica, por vezes, alguns momentos, ou dias, ou então meros segundos, chega à conclusão que está cansada dessa busca e que, pelo menos nesta vida, essa pessoa certa, a existir, não será encontrada. Às vezes parece, aquela mesmo, ser a tal, até pelo cheiro que dela emana, pelo brilho com que ilumina os outros na sua presença, mas não, não é aquela que  precisa, não é aquela que lê nos silêncios. Então sente-se cansada e roubada na alegria de finalmente a ter encontrado, quando afinal tudo era farsa.


Maria Luís Koen

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Café

 

                                                               (jean jacques rene)


Olha, hoje encontrei-te no café e estavas triste. Tentaste disfarçar esse sentimento mas sei que é forte, conheço bem o motivo. Desfolhei o album de fotografias que me mostraste em tua casa, algumas carcomidas pelo tempo, outras mais recentes e sei como é difícil alguém não estar mais presente. Olha, o meu coração está mais perto do teu agora, do que quando tudo aconteceu. Agora oiço a mesma sinfonia, aquela que tu gostas tanto de comentar e, quando a brisa sopra quente, como hoje, os cheiros da Primavera  fazem-me esquecer o resto. Então, digo- te: sei que felizes, sempre, sempre, nunca somos, mas alguns conseguem habitar jardins encantados, levando com eles outros, em direção à luz.


Maria Luís Koen


domingo, 11 de abril de 2021

Morreste -me

 

(Camelia-07)


Todo o dia choveu e fechei muitas vezes os olhos para não te ver. Confesso que queria muito abraçar-te, olhar para os teus olhos doces, ouvir as tuas palavras calmas e risadas alegres. Mas morreste. Morreste -me. Morreste para mim e para os outros. E é por isso que fecho os olhos enquanto a chuva cai.  Fecho para não ver a tua imagem e fecho porque ao fechá-los, vejo-te com uma dimensão maior. Só com os olhos fechados consigo imaginar os risos que não vou mais ouvir, as frases que não vais dizer nunca mais, os gestos que nunca iremos ter. Por isso não escondo a dor, esta amargura de nunca mais  te ver sorrir.


Maria Luís Koen









 

                                                               (Inna Karpova)


À nossa volta há

uma maré de

múltiplas flores,

labareda de

mil cores

 

a subir

a arder

a queimar

 

para depois

o crepúsculo chegar

e esfumar-se

ainda quente

em nós.



Maria Luís Koen


sábado, 10 de abril de 2021

Tormenta

 

                                                                (Inna Montano)


Não é uma mulher comum. Nunca foi. E ela sabe que eu sei que ela é diferente. Não mora na minha rua mas todos os dias a vejo. Da janela do meu quarto, quando a abro, eu pressinto aquele andar leve que ela tem e vejo. O amor deve ser assim, penso. Não há outra maneira. E, talvez por isso, o ódio que tenho de não a conhecer, também cresce. Amor e ódio numa só mulher. Parece loucura mas é assim que sinto. Todos os dias sou o mais doido dos doidos por ver os olhos dela em cada esquina, bocas cheias de beijos. Quando falei disto ao meu amigo, ainda riu e disse que já passara pela tormenta. É isso. Fiquei com a palavra tormenta, escrevi-a num papel que tenho no quarto para dela não me esquecer. Guardei o papel na gaveta, junto a outros tantos com outras tantas palavras e, todos os dias, uma ou mais vezes, abro a gaveta, remexo os papéis soltos e surge sempre aquele escrito com a palavra tormenta. Talvez porque é disso que me alimento. Um doido varrido atormentado é o que sou. Ainda mais porque deixei de a ver da minha janela ou de outro sítio qualquer. 

Ficou frio e tenho sede, faz-me falta o que não vivi.



Maria Luís Koen