1
Leva todos os livros e letras
hoje
para voltares amanhã com
um só e depois de amanhã
com um outro
e ainda um outro no outro
amanhã
até serem mil os livros
mil as vezes que voltas.
E quando tiveres lido todos
os livros que eu te dou
hoje
volta amanhã, depois de
amanhã, ainda no outro
amanhã e
leva todos os eus que te
dou, vem buscar também
os que te não dou.
Escuta, que a maré não volta já
Nem esse sentir
- pasmo de tanto correr em vão.
As ruas passaram em sonhos
A tua cara não é nítida
Nem as vozes, o colorido
Das flores.
Tudo são traços baços
Pálpebras fechadas
Coisas de outrora
Unhas pintadas de verniz
Seco
Maria Luís Koen
4
(Lucy Salgado)
Sentado ao meu lado
Afastado
Aqui ou lá
Com ou sem barba
Suave ou forte
Inquieto ou doce
Indiferente,
És meu.
Queiras ou não
És meu.
Tentes ou não afastar-te
És meu.
Não sendo meu
És meu.
Também com as outras
És meu.
Odiando-me
És definitivamente
Meu.
Só não és meu
Quando queres ser meu ou
Quando te quero
Em mim.
Maria Luis Koen
(Marisa Reve)
ZERO
disse-te o amor e ele ficou
preso
à espera do poiso dos teus olhos
e preso
a querer voar-me da garganta
e preso
...
escrevi na terra e estrada
que te amava
rasguei com lama esse amor
proibido
até não mais poder
até as minhas mãos sujas
serem tu
até um dia existir na tua
boca
...
não sei se essas tuas mãos
ainda querem
se o teu corpo quer
mas a prova é infinito zero
longe perto, agora logo
ou vaga de maré cheia.
(Maria Luís Koen)
6
Glen Preece
Corro a casa toda
como se fora o mundo
em mim só imagens
de morte –
física
ele vai morrer
sim sei que um dia
só não quero que seja
hoje
interior
ele já morreu
sorrio de tê-lo morto
a machado e pouco a
pouco
mas foi como ter-me
morto - fogo
não suicídio.
Fecho os olhos
e só
estremeço.
Maria Luís Koen
Marisa Reve
É
tão difícil dizeres que me amas?
Descerra
esses teus desenhados lábios
e
diz: amo-te!
Amo-te
tanto que não sei
Tenho
medo deste amor
Desta
força interior de maré
Deste
olhar coberto em flores de todos
os
campos
Amo-te
de todas as maneiras e gestos
De
todos os cansaços - açucenas no lago
Amo-te.
-
e ainda espero essas palavras.
Maria Luís Koen
Patricia Ariel
Grita todas as fúrias sonhos que não tiveste e
sacode esses cabelos bem
penteados ri até mais
não bem alto como um desespero último que
eu não me importo nem crítico nem faço um olhar
esbugalhado.
Se correres muito até te doer do
lado direito da barriga ficas bem e se me chamares
todos os nomes incluindo
merda eu não responderei.
Já em tua casa faz aquilo que nunca te soube
a doce raiva essa de partir todos os pratos bater (em)
todas as portas chorar todas as lágrimas
fungar todas as penas abrir
depois a janela e
sorrir.
Maria Luís Koen
Lauri Blank
Vieste com
doce
no olhar
a dizer
que só pode
haver um
fim:
este fim
e com
mágoa ou
ânsia
os sons da
minha
boca
calaram
outros,
mornos
lábios,
com medo
do princípio
este
princípio:
-
amar-te todo
no meu
corpo.
Maria Luís Koen
Linda Girassol
Seremos juntos
eterna dúvida,
egoísmo
e perda.
Juntos
seremos também
paixão ou
raiva,
especial desejo,
dor de
solidão
e ódio.
-
muito melhor
que nada.
Richard Burlet
É tão difícil dizeres que me
amas?
Descerra esses teus desenhados
lábios
E diz: amo-te
Amo-te tanto que não sei
Tenho medo deste amor
Desta força interior de maré
Deste olhar coberto em flores de
todos
Os campos
Amo-te de todas as maneiras e
gestos
De todos os cansaços -
açucenas no lago
Amo-te.
- e ainda espero essas palavras.
Maria Luís Koen
12
Ognian Kouzmanov
É sempre tudo tão bem. O sol manso de manhã,
o cheiro
a orvalhada, o frio a gelar as mãos, a colorir
a face.
Mas logo aparece o que arrefece, enlouquece.
Instala-se
o nó e a vontade de rasgar papéis, quilómetros de
eternas
letras num palmilhar de veios passados.
Mesmo quando desaparece, a surdez continua, a cegueira de
todos os doces, a nudez de todas as esperanças.
E ficas
quedo, com medo de tanta paz e
De eu te
dizer que te amo.
Não voltes.
O cenário baixou o pano.
Ninguém te viu,
Ninguém bebeu a humidade tua,
os gestos abertos lentamente,
Ninguém.
Deixa-me agora a Primavera,
o súbito arco-íris,
os jardins afogados em papoilas.
Maria Luís Koen
14
Subo vezes sem número as escadas onde
te imagino e, no topo sem fim, arrisco-me no vácuo.
Conheço histórias de fadas que são terrestres
e de príncipes encantados em carros desportivos
ou messias que não conhecem Cristo.
Mas tu estás lá, reconheço os passos no cheiro
que quero tocar. Quando regresso às portas conhecidas
e às janelas sem postigo, nunca desço.
Maria Luis Koen
15
Derek McCrea
Ó
terra
Ó mãe
matriz
Quero
ser areia
areia
areia
E
em mim
receber
o mar.
Maria
Luis Koen
John Bramblitt
Sempre esta dôr
de ver teus olhos
bichos inquietos.
maria luís koen
Telmo Rocha
De repente as cores ficam cinzentas
o rumo é infinito e assustador
as sensações adoecem na chuva
e eu
não sinto nada.
A memória
essa, recorda-me episódios
que saboreio
mas não sei.
Quero e não
esquecer.
Maria Luís Koen
Doris Clare Zinkeisen
É sempre tudo tão bem. O sol manso de manhã,
o cheiro a orvalhada, o frio a gelar as mãos, a colorir
a face. Mas logo aparece o que arrefece, enlouquece.
Instala-se o nó e a vontade de rasgar papéis,
quilómetros de eternas letras num palmilhar
de veios passados.
Mesmo quando desaparece, a surdez continua,
a cegueira de todos os doces,
a nudez de todas as esperanças.
E ficas quedo, com medo de tanta paz e
de eu te dizer que te amo.
Maria Luís Koen
19
(Lisa Nelson)
AB UNO DISCE OMNAS?
Unhar é signo de gatos.
Sou gato.
Gato louco - nada diz
de tudo saber,
hipnotismo seco.
Deslizar é signo de gatos,
sou gato
rente, só a penugem
que aflora, lenta.
Gato que dorme enroscado no
sonho de todos os
Janeiros de amor,
gato
gato.
Maria Luís Koen
20
Lana (Tchéquia)
Sou ar molhado de vento
sou candeeiro branco
cama de ferro sem colchão
sonho espiritual em botija
quente
ou sou apenas roncos de
mim no escuro do quarto,
cabelos pegados
canetas febris.
Medo dos sons amorfos
sem alma sem nada?
(Nick Hale)
Um caixão morto.
terias sido o traço contínuo
ultrapassar tudo no intervalo
das sensações.
estás morto.
bebi o turbilhão do choro
com todas as flores.
gritas o silêncio ao longo da rua
molhada
ignoras os becos
o limite do som.
és caixão.
tenho os olhos fechados
que não te quero vêr.
Maria Luís Koen
22
(Rivka Korf)
O meu grito hoje diz não.
Não às palavras e gestos incompletos
de ternura, hirtos, sem significado.
Não aos sons contidos na garganta
à amargura e queixume monótono da
lamentação.
Não aos olhos que teimam em não chorar
Não aos que querem sentir
Não aos sorrisos oblíquos
à vergonha dos silêncios
à sobriedade dos momentos.
Não às frases mágicas de anulação
aos fios sempre abertos da razão
às cóleras de quem não sabe que morre.
Não aos hálitos de lugar nenhum
do senso comum
do sonho nenhum.
Não!
O meu gritar hoje diz não.
Maria Luís Koen
23
(Tiffany Hagen)
Sinto que já disse todas as palavras
e no entanto não disse.
Não ousei o toque
nem o secreto falar do
depois
não ousei a cumplicidade dos códigos
nem a faísca do som.
Volto a sentir que já disse todas as palvras
palavras ditas que se dizem que se devem
dizer
os outros esperam que sejam ditas
no entanto
não ousei as que pensei
não ditas porque não
não se deve
os outros não
ah raiva
dôr de só as poder sonhar
escrever
que nunca (as sei) dizer.
Maria Luís Koen
24
(João Alfaro)
É isto. Isto.
Só isto.
Não vês este
desespero?
Veneno que ninguém
bebe
tudo postiço.
Maria Luís Koen
25
PRIMAVERA
Todas as flores do campo,
todos os cheiros,
todas as cores que o vento empurra.
Toda a maresia, areia dourada
Toda a lua cheia
Que abraça e aperta
Um nó que atravessa.
Não é dor no peito, não é tristeza
É celebração que não se aguenta.
Dizem que é o aroma anestesiante,
potente
Dos maios e damas da noite
Ou a cor suave do amor perfeito
Amarelo estasiante.
Há quem morra hoje
E a Primavera (re)nasça
amanhã.
Maria Luís Koen
26
À nossa volta há
uma maré de
múltiplas flores,
labareda de
mil cores
a subir
a arder
a queimar
para depois
o crepúsculo chegar
e esfumar-se
ainda quente
em nós.
Maria Luís Koen
27
Nada para ser dito.
Sei
das palavras gastas,
gestos iguais ao
início.
Performance.
O amor a não ser
desejo
e fome
Na boca em
mãos misturadas
nos cheiros
Até nada continuar
a ser dito
Até nada dito
Nada.
Pode ser o fim.
Maria Luís Koen
28
LINCE
És múltiplas
dimensões
um guardador de segredos.
És o
silêncio que me cerca
a voz
invisível
o poder
o ar e o
vento
a fonte
mistério.
Teus olhos
são janelas
guardiãs de palavras ditas
sonhos nossos
de fartura.
E depois
Há o que o
pensamento não
explica
A visão sem
limites.
És tu.
Tu és a
verdade
E nada
mais.
És lince.
Maria Luís Koen
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