Poesia

1



Leva todos os livros e letras
hoje
para voltares amanhã com
um só e depois de amanhã
com um outro
e ainda um outro no outro
amanhã
até serem mil os livros
mil as vezes que voltas.
E quando tiveres lido todos
os livros que eu te dou
hoje
volta amanhã, depois de
amanhã, ainda no outro
amanhã e
leva todos os eus que te
dou, vem buscar também
os que te não dou.




                         Maria Luís Koen
                     









2


INTELLIGENTI PAUCA









Toda eu sou brilho

viço e seiva

nos teus olhos,



água-mel na tua

boca,



ainda

xara trémula nas

tuas mãos



e vento quente

na ânsia do

teu corpo.



Maria Luís Koen








3









Escuta, que a maré não volta já

Nem esse sentir

- pasmo de tanto correr em vão.

As ruas passaram em sonhos

A tua cara não é nítida

Nem as vozes, o colorido

Das flores.

Tudo são traços baços

Pálpebras fechadas

Coisas de outrora

Unhas pintadas de verniz 

Seco



Maria Luís Koen


4





(Lucy Salgado)



Sentado ao meu lado

Afastado

Aqui ou lá

Com ou sem barba

Suave ou forte

Inquieto ou doce

Indiferente,

És meu.



Queiras ou não

És meu.



Tentes ou não afastar-te

És meu.



Não sendo meu

És meu.



Também com as outras

És meu.



Odiando-me

És definitivamente

Meu.



Só não és meu

Quando queres ser meu ou

Quando te quero

Em mim.





Maria Luis Koen







5


(Marisa Reve)


ZERO



disse-te o amor e ele ficou
preso
à espera do poiso dos teus olhos
e preso
a querer voar-me da garganta
e preso

...

escrevi na terra e estrada
que te amava
rasguei com lama esse amor
proibido
até não mais poder
até as minhas mãos sujas
serem tu
até um dia existir na tua
boca

...

não sei se essas tuas mãos
ainda querem
se o teu corpo quer
mas a prova é infinito zero
longe perto, agora logo
ou vaga de maré cheia.


(Maria Luís Koen)



6




           Glen Preece


Corro a casa toda

como se fora o mundo

em mim só imagens

de morte –



física

ele vai morrer

sim sei que um dia

só não quero que seja

hoje



interior

ele já morreu

sorrio de tê-lo morto

a machado e pouco a

pouco

mas foi como ter-me

morto  -  fogo

não suicídio.



Fecho os olhos

e só

estremeço. 







Maria Luís Koen







7



Marisa Reve  


É tão difícil dizeres que me amas?
Descerra esses teus desenhados lábios
e diz:  amo-te!
Amo-te tanto que não sei
Tenho medo deste amor
Desta força interior de maré
Deste olhar coberto em flores de todos
os campos
Amo-te de todas as maneiras e gestos
De todos os cansaços  -  açucenas no lago
Amo-te.
- e ainda espero essas palavras.

Maria Luís Koen






8







Patricia Ariel





Grita todas as fúrias     sonhos que não tiveste e

sacode esses cabelos bem penteados     ri até mais

não     bem alto     como um desespero último     que

eu não me importo     nem crítico     nem faço um olhar

esbugalhado.  

Se correres muito até te doer do

lado direito da barriga     ficas bem     e se me chamares

todos os nomes incluindo merda     eu não responderei.

Já em tua casa     faz aquilo que nunca te soube

a doce raiva     essa de partir todos os pratos     bater (em)

todas as portas     chorar todas as lágrimas 

fungar todas as penas     abrir depois a janela e

sorrir.



Maria Luís Koen






9



Lauri Blank

Vieste com doce
no olhar
a dizer que só pode
haver um fim:
este fim
e com mágoa ou
ânsia
os sons da minha
boca
calaram outros,
mornos lábios,
com medo do princípio
este princípio:
-          amar-te todo

no meu corpo.


Maria Luís Koen








10


Linda Girassol



Seremos juntos
eterna dúvida,
egoísmo
e perda.

Juntos
seremos também
paixão ou
raiva,

especial desejo,
dor de
solidão

e ódio.

-          muito melhor
que nada.



Maria Luís Koen






11








Richard Burlet






É tão difícil dizeres que me amas?

Descerra esses teus desenhados lábios

E diz:  amo-te

Amo-te tanto que não sei

Tenho medo deste amor

Desta força interior de maré

Deste olhar coberto em flores de todos

Os campos

Amo-te de todas as maneiras e gestos

De todos os cansaços  -  açucenas no lago

Amo-te.

- e ainda espero essas palavras.



Maria Luís Koen








12






Ognian Kouzmanov





 É sempre tudo tão bem. O sol manso de manhã,
o cheiro a orvalhada, o frio a gelar as mãos, a colorir
a face. Mas logo aparece o que arrefece, enlouquece.
Instala-se o nó e a vontade de rasgar papéis, quilómetros de
eternas letras num palmilhar de veios passados.
Mesmo quando desaparece, a surdez continua, a cegueira de 
todos os doces, a nudez de todas as esperanças.
E ficas quedo, com medo de tanta paz e
De eu te dizer que te amo.

Maria Luís Koen




13




(João Alfaro)


Não voltes.
O cenário baixou o pano.
Ninguém te viu,
Ninguém bebeu a humidade tua,
os gestos abertos lentamente,
Ninguém.
Deixa-me agora a Primavera,
o súbito arco-íris,
os jardins afogados em papoilas.


Maria Luís Koen






14



Jacek Yerka




Subo vezes sem número as escadas onde

te imagino e, no topo sem fim, arrisco-me no vácuo.

Conheço histórias de fadas que são terrestres

e de príncipes encantados em carros desportivos

ou messias que não conhecem Cristo.

Mas tu estás lá, reconheço os passos no cheiro

que quero tocar. Quando regresso às portas conhecidas

e às janelas sem postigo, nunca desço.





Maria Luis Koen








15



Derek McCrea






Ó terra
     Ó mãe
                matriz

Quero ser areia
                              areia  
areia

E em mim
receber
                      o mar.




Maria Luis Koen







16



John Bramblitt


Sempre esta dôr
de ver teus olhos
bichos inquietos.



maria luís koen





17

Telmo Rocha



De repente as cores ficam cinzentas
o rumo é infinito e assustador
as sensações adoecem na chuva
e eu
não sinto nada.

A memória
essa, recorda-me episódios
que saboreio
mas não sei.

Quero e não
esquecer.


Maria Luís Koen


18





Doris Clare Zinkeisen



  É sempre tudo tão bem. O sol manso de manhã,
o cheiro a orvalhada, o frio a gelar as mãos, a colorir
a face. Mas logo aparece o que arrefece, enlouquece.
Instala-se o nó e a vontade de rasgar papéis, 
quilómetros de eternas letras num palmilhar 
de veios passados.
Mesmo quando desaparece, a surdez continua, 
a cegueira de todos os doces, 
a nudez de todas as esperanças.
E ficas quedo, com medo de tanta paz e
de eu te dizer que te amo.


Maria Luís Koen



19


(Lisa Nelson)


AB UNO DISCE OMNAS?

Unhar é signo de gatos.
Sou gato.
Gato louco  -  nada diz
de tudo saber,
hipnotismo seco.

Deslizar é signo de gatos,
sou gato
rente, só a penugem
que aflora, lenta.

Gato que dorme enroscado no
sonho de todos os 
Janeiros de amor,
gato
gato.


Maria Luís Koen


20
Lana (Tchéquia)


Sou ar molhado de vento
sou candeeiro branco
cama de ferro sem colchão
sonho espiritual em botija
quente
ou sou apenas roncos de
mim no escuro do quarto,
cabelos pegados
canetas febris.
Medo dos sons amorfos
sem alma sem nada?


Maria Luís Koen





21



(Nick Hale)


Um caixão morto.

terias sido o traço contínuo
ultrapassar tudo no intervalo
das sensações.

estás morto.

bebi o turbilhão do choro
com todas as flores.

gritas o silêncio ao longo da rua
molhada
ignoras os becos
o limite do som.

és caixão.

tenho os olhos fechados
que não te quero vêr.


Maria Luís Koen



   22

(Rivka Korf)

O meu grito hoje diz não.
Não às palavras e gestos incompletos
de ternura, hirtos, sem significado.
Não aos sons contidos na garganta
à amargura e queixume monótono da
lamentação.
Não aos olhos que teimam em não chorar
Não aos que querem sentir
Não aos sorrisos oblíquos
à vergonha dos silêncios
à sobriedade dos momentos.
Não às frases mágicas de anulação
aos fios sempre abertos da razão
às cóleras de quem não sabe que morre.
Não aos hálitos de lugar nenhum
do senso comum
do sonho nenhum.
Não!
O meu gritar hoje diz não.


Maria Luís Koen





23

(Tiffany Hagen)


Sinto que já disse todas as palavras
e no entanto não disse.

Não ousei o toque 
nem o secreto falar do
depois
não ousei a cumplicidade dos códigos
nem a faísca do som.

Volto a sentir que já disse todas as palvras
palavras ditas       que se dizem       que se devem
dizer
os outros esperam que sejam ditas
no entanto

não ousei as que pensei
não ditas porque não
não se deve
os outros não

ah raiva
dôr de só as poder sonhar
escrever
que nunca (as sei) dizer.

Maria Luís Koen



24

(João Alfaro)



É isto. Isto.
Só isto.
Não vês este
desespero?
Veneno que ninguém
bebe
tudo postiço.


Maria Luís Koen



25
PRIMAVERA

Carmen Guedez


Todas as flores do campo, 

todos os cheiros,

todas as cores que o vento empurra.

Toda a maresia, areia dourada

Toda a lua cheia

Que abraça e aperta

Um nó que atravessa.

Não é dor no peito, não é tristeza

É celebração que não se aguenta.

Dizem que é o aroma anestesiante, 

potente

Dos maios e damas da noite

Ou a cor suave do amor perfeito

Amarelo estasiante.

Há quem morra hoje

E a Primavera (re)nasça 

amanhã.


Maria Luís Koen



26
(Inna Karpova)


À nossa volta há

uma maré de

múltiplas flores,

labareda de

mil cores

 

a subir

a arder

a queimar

 

para depois

o crepúsculo chegar

e esfumar-se

ainda quente

em nós.


Maria Luís Koen





27
(Lia Melia)

Nada para ser dito.


Sei

das palavras gastas,

gestos iguais ao

início.

 

Performance.

 

O amor a não ser

desejo

e fome

 

Na boca em

mãos misturadas

nos cheiros

 

Até nada continuar

a ser dito

Até nada dito

Nada.

 

Pode ser o fim.

Maria Luís Koen


                                                          28

LINCE

   

És múltiplas dimensões

 um guardador de segredos.

És o silêncio que me cerca

a voz invisível  

o poder

o ar e o vento

a fonte

mistério.

Teus olhos são janelas

 guardiãs de palavras ditas

sonhos nossos de fartura.

E depois

Há o que o pensamento não

explica

A visão sem limites.

És tu.

Tu és a verdade

E nada mais.

És lince.


Maria Luís Koen






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