terça-feira, 9 de fevereiro de 2016


13.



Leonid Afremov


E deixo-me estar, muda no silêncio que a casa me proporciona. Preciso dele como do pão para a boca. A minha cabeça chega a parecer uma teia intricada, cheia de grossos e finos fios emaranhados, pensamentos entrecruzados, para cima e para baixo, em direcções diversas que me tiram muitas vezes a paz e outras tantas convidam a insónia a fazer-me companhia na cama. Umas vezes, é uma teia de captura, em que as supostas “vítimas” se colam a mim, ao meu pensamento, em que sugo e sou sugada num fino fio de cumplicidades;  outras, é uma teia de refúgio, em que o emaranhado da minha vida forma tubos em que me escondo e refugio; às vezes, é teia de cópula quando o quente interior busca  apaziguamento e outras teia de muda, quando o recomeço é gritante e necessário . 

Maria Luís Koen




































Ausência


Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num País sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.



   (Sophia de Mello Breyner Andresen)
13.

Art Annette Schmucker
- Claro que não. Adoro o meu Miguel. Casei com ele não por vingança mas um pouco por impulso, por paixão… O casamento é sagrado! Mas não esqueço o que o outro me fez. Foi um cabrão e disso não passa.
- Nunca ouviste dizer que “os traidores são colhidos na sua própria cobiça”? Esquece, Joana. Não merece sequer  que penses nele, não achas? Pensa no Miguel, o teu amor.
- No meu doce - e sorriu.
Adoro-o. Amei-o assim que o vi. O coração quase parou, o corpo num arrepio de tesão, um tormento que não sei explicar, um magnetismo que me deixou frágil e a flutuar, Ana. Ele faz-me sentir bem, quase em êxtase permanente. Quando estamos juntos só quero mesmo é cheirá-lo, saboreá-lo, comê-lo todo.
- Malandra que me saíste!
- Malandra eu? Sabes bem que gosto de sexo. E com o Miguel…parece que ainda gosto mais do que já gostava.
Joana ri de barriga cheia, de plenitude ou mera felicidade.
Quando ela saiu e fiquei novamente só, reli as palavras de Shakespeare, no livro que Roberta me oferecera como retribuição pela minha capacidade de ouvir e muita paciência. A minha vida preenchida pelas perdas e amores dos outros, desgostos, traições e sentimentos de seres imperfeitos. Uma roda em que, novamente, sou eu o centro para onde os raios convergem. É esse o meu karma? “E a minha roda está redonda ou toda torta?” penso, “Colorida ou mais a preto e branco?”.

O que faço aos intervalos em que sinto a boca seca?

Maria Luís Koen