terça-feira, 2 de julho de 2013

A Roda - continuação




Bec Winnel

- Ana, queres sair? Vamos até ao Ventoso?
Não penso duas vezes e digo que sim. Esqueço por momentos o medo de me queimar novamente, de abrir uma nova ferida, de enlouquecer e de me perder. Esqueço o ódio e os pulsos cortados em tempos, a insatisfação do nada, a vingança de Deus, a desorientação da dor, o desaprender o amor.
Ele vem buscar-me dentro de quinze minutos, é o que penso. Apenas isso. Nada de estórias passadas, de memórias e caminhadas perdidas. Nada.
Estaciono o carro e subo rapidamente para lavar os dentes.

Maria Luís Koen


segunda-feira, 1 de julho de 2013

grandes mulheres






Olga Roriz



Olga Roriz é coreógrafa e bailarina portuguesa.
Nasceu em Viana do Castelo. Em  Lisboa  iniciou os estudos de dança na Escola do Teatro Nacional de S. Carlos, com Ana Ivanova. Com 18 anos de idade completou o curso da Escola de Dança do Conservatório Nacional de Lisboa. Em 1976 ingressou no elenco do Ballet Gulbenkian dirigido por Jorge Salavisa, onde permaneceu até 1992.
Como coreógrafa tem sido convidada a trabalhar com agrupamentos como a Companhia Nacional de Bailado, Dança Grupo e Companhia de Dança Contemporânea em Portugal; Ballet Teatro Guaira, no Brasil; Ballets de Monte Carlo, no Mónaco; Compañía Nacional de Danza, em Espanha; English National Ballet, no Reino Unido, Reportory American Ballet, nos EUA, e Maggio Danza di Firenze, em Itália.
Ganhou vários prémios.
Em Fevereiro de 1995 fundou a Companhia Olga Roriz.
Em 1997 encenou para o Teatro Nacional de S. Carlos a ópera Perséphone de Igor Stravinsky, e em Janeiro de 1999, para o Teatro Plástico, estreou-se em encenação para teatro na peça Crimes Exemplares de Max Aub, onde assinou também a dramaturgia e uma nova versão do texto.
Vou vê-la actuar em breve...



A roda - continuação

 A Roda
continuação


Glen Preece


Não acreditei em metade do que a bruxa disse. Provavelmente arranjou um qualquer plano maquiavélico para dar cabo do marido, livrar-se dele.
- Mas já conhecem muita gente através da Internet?
- De facto, não. Mas conheci Amélia e não estou nada arrependida.
Olham-se diretamente nos olhos, consigo finalmente captar um brilho especial, uma emoção. Quase sei que, por baixo da mesa, as mãos de ambas se tocam. Terminamos o jantar com um brinde. Visto o casaco, está frio:
- Então até à próxima, Ana.
- Adeus, Mafalda. Vens, Amélia?
- Não, vou com a Mafalda.
Entram as duas no carro, aceno e entro no meu. Tenho as mãos geladas e o coração. Não me deixei encantar pela sereia, sei que Amélia vai sofrer, que ela é má, que lhe vai tirar a alegria, aquele olho não me enganou, o frio que senti, gelado, a subir, quando olhei para ela, o reflexo escuro dos olhos violeta. 
Dói-me tudo. 
Dói-me a alma. 
Mais cedo do que Amélia pensa, vai chorar sentada na cadeira, vai desejar não a ter conhecido. 
É sexta-feira à noite e estou sozinha. Penso que às vezes é melhor nem começar seja o que for, quando se sabe que vai acabar mal, que vai terminar. Terrivelmente sozinha é como me sinto e é como Amélia se vai sentir quando o olho violeta daquela bruxa cair sobre ela e a ferir de morte. 
A solidão é um estado interior, um vazio que não se preenche. Às vezes a solidão ataca forte. Torna-se problema. Porém, muitas vezes sinto a necessidade de estar só, parece contradição, pois só dessa maneira consigo algum equilíbrio emocional, pensar na minha experiência individual. Então, essa solidão comigo mesma faz-me falta: é quando estou só que tranquilamente me recrio. Outras vezes, como agora, a solidão é dorida e fria. Uma mágoa que me invade devagar, amarga, cinzenta. Falta-me um certo aconchego que me abrace à noite na cama, me segrede umas doçuras ao ouvido, mordisque e possua sem pressas. Dou uma volta pelo centro, de carro, o telemóvel toca já perto de minha casa.
Maria Luís Koen