quarta-feira, 5 de agosto de 2020



Memórias da Aldeia

15. O falar





     Da primeira vez que levei uma amiga para passar uns dias na aldeia percebi que a pronúncia típica da região era um quebra-cabeças para os de fora. Primeiro porque muito cerrada, segundo porque rica em palavras diferentes do vocabulário habitual. Se para mim era, às vezes, um desafio tentar descobrir os sinónimos de algumas palavras, para quem vinha de fora, de Lisboa, por exemplo, era muito mais complicado.
     Quando levei a Cris comigo para passar uns dias na casa dos avós, foi uma alegria, confesso. Para ela foi uma experiência diferente pois, como lisboeta com costela espanhola, estar ali era como estar algures num país desconhecido. “Falam como nos Açores” – disse. “Não percebo nada do que diz a tua avó”- voltou a dizer. “Que dialeto falam aqui?” – perguntou.
     Tenho na memória o susto que apanhou quando a avó lhe disse que tinha uma grande garra na blusa. Pensando ser um qualquer bicho estranho da região, a Cris berrou para que rapidamente alguém a ajudasse. Claro que rimos, incluindo a avó. Parece-me que, agora à distância, ela talvez tivesse dito aquilo de propósito para brincar.
     Do que disse e perguntou, não foi a única, pois sempre que levava alguém de outros locais, as constatações e dificuldades eram as mesmas. Por um lado, a avó e as pessoas da aldeia pronunciavam os “u” como os franceses o fazem, por outro, com as outras vogais do alfabeto acontecia algo parecido. Com os ditongos também era diferente. Resultado: era difícil compreender o que diziam: a pronúncia era “muito fechada”.  Há estudos de linguístas sobre este assunto e sobre as razões historico-culturais destas diferenças. A tese de doutoramento em linguística “Linguagem do sueste da Beira no tempo e no espaço” de Fernando Jorge Brissos, é disso um exemplo.
     Apesar de ter que ser a “tradutora” sempre que os avós ou outros falavam, isso não impediu que a minha amiga Cris gostasse das pessoas, das suas vestes, da aldeia e da paisagem campestre. Foi um susto para nós quando não a encontrámos em casa... Afinal tinha decidido ir até ao campo, mesmo ali ao lado, relaxar e sentir os cheiros e as cores que lhe eram oferecidos.
     Ficou tão impressionada com esta primeira experiência que, aquando de um trabalho para uma cadeira de linguística, foi buscar alguns exemplos do que ouvira na aldeia.
     O falar próprio da aldeia é difícil de se perder e muitos, mesmo mudando de vida e de terra, continuam com o mesmo sotaque fechado característico da zona.


Maria Luís Koen






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(Luís Silveira)