Memórias da Aldeia
15. O falar
Da primeira vez que levei uma amiga para
passar uns dias na aldeia percebi que a pronúncia típica da região era um
quebra-cabeças para os de fora. Primeiro porque muito cerrada, segundo porque
rica em palavras diferentes do vocabulário habitual. Se para mim era, às vezes,
um desafio tentar descobrir os sinónimos de algumas palavras, para quem vinha
de fora, de Lisboa, por exemplo, era muito mais complicado.
Quando levei a Cris comigo para passar uns
dias na casa dos avós, foi uma alegria, confesso. Para ela foi uma experiência
diferente pois, como lisboeta com costela espanhola, estar ali era como estar
algures num país desconhecido. “Falam como nos Açores” – disse. “Não percebo
nada do que diz a tua avó”- voltou a dizer. “Que dialeto falam aqui?” –
perguntou.
Tenho na memória o susto que apanhou
quando a avó lhe disse que tinha uma grande garra na blusa. Pensando ser um
qualquer bicho estranho da região, a Cris berrou para que rapidamente alguém a
ajudasse. Claro que rimos, incluindo a avó. Parece-me que, agora à distância,
ela talvez tivesse dito aquilo de propósito para brincar.
Do que disse e perguntou, não foi a única,
pois sempre que levava alguém de outros locais, as constatações e dificuldades
eram as mesmas. Por um lado, a avó e as pessoas da aldeia pronunciavam os “u”
como os franceses o fazem, por outro, com as outras vogais do alfabeto
acontecia algo parecido. Com os ditongos também era diferente. Resultado: era
difícil compreender o que diziam: a pronúncia era “muito fechada”. Há estudos de linguístas sobre este assunto e
sobre as razões historico-culturais destas diferenças. A tese de doutoramento
em linguística “Linguagem do sueste da Beira no tempo e no espaço” de Fernando
Jorge Brissos, é disso um exemplo.
Apesar de ter que ser a “tradutora” sempre
que os avós ou outros falavam, isso não impediu que a minha amiga Cris gostasse
das pessoas, das suas vestes, da aldeia e da paisagem campestre. Foi um susto
para nós quando não a encontrámos em casa... Afinal tinha decidido ir até ao campo,
mesmo ali ao lado, relaxar e sentir os cheiros e as cores que lhe eram
oferecidos.
Ficou tão impressionada com esta primeira
experiência que, aquando de um trabalho para uma cadeira de linguística, foi
buscar alguns exemplos do que ouvira na aldeia.
O falar próprio da aldeia é difícil de se
perder e muitos, mesmo mudando de vida e de terra, continuam com o mesmo
sotaque fechado característico da zona.
Maria Luís Koen
Sem comentários:
Enviar um comentário