terça-feira, 30 de abril de 2013






    Clara                                                             Blanca                                                   Alba        




           




              



Haja o que houver





Madredeus









ANDORINHAS     DE      BORDALO       PINHEIRO



Pétalas



Anthony Falbo


4. 
Sabia lá porque se tinha apaixonado por ele.
Tinha uma vaga ideia de o ter conhecido numa esplanada, na feira. Todos tinham bebido um pouco demais ao jantar: o vinho era quente e macio, escorregava depressa pela garganta, que parecia pedir mais, mais e mais. Depois, os olhos ficaram brilhantes e os sorrisos  fáceis de distribuir.
 Lembrava-se vagamente do homem ali sentado com outros, lembrava-se que gostara das mãos, da maneira como segurava o copo de cerveja.
Sílvia sabe que resistiu pouco, muito pouco, ao desconhecido, sabe que achou piada àquele momento em que as cadeiras chocaram e ela quase caiu. Até riu que nem uma idiota e ele também. Parecia um pouco parvo, mas ela nem reparou.
Recorda menos vagamente que riram os dois como selvagens, sem conseguirem parar, durante pelo menos quinze minutos. Lembra-se bem disso, sim. De facto, está novamente com vontade de rir, como naquela altura. Às tantas, riam os dois de nada, riam de se verem a rir, riam um do outro, riam da idiotice da situação, só riam. Riram tanto, que foi difícil parar. E quando conseguiram parar de rir, os outros com quem  estavam, ficaram idioticamente sentados a olhar para eles e isso ainda os fez recomeçar a rir, até os outros ficarem aborrecidos por estarem a fazer figuras tristes, até os outros os deixarem sozinhos na esplanada.
Sim, ficaram os dois sozinhos a rir, foram expulsos pelo empregado e, a rir, saíram dali desolados, sem conseguirem ultrapassar aquele momento fantasticamente ridículo.
Finalmente pararam. Doía-lhes a boca e ficaram a olhar um para o outro sem saber o que fazer. Afinal não se conheciam de lado nenhum e não sabiam bem porque estavam ali os dois, não sabiam como deviam reagir a uma situação como aquela. Olharam-se um pouco a medo, desamparados. Sílvia lembra-se que disse uma coisa qualquer para desanuviar o ambiente, vamos comer algodão-doce ou um disparate do género. Deram o braço e foram. Comeram algodão doce e massa frita. Parecia que se conheciam desde que nasceram. Andaram no carrossel gigante. Ouviram a música pimba contentes e só saíram da feira quando as luzes se apagaram.
Depois, Sílvia não se lembra bem do que lhe passou pela cabeça, mas há imagens, detalhes que surgem com ele a secar-lhe o cabelo com o secador, no quarto. Lembra-se dos bichos da seda, do pátio da casa com vasos cheios de flores falsas. Mas nada disso parece importante perante a paixão que ambos sentiram, uma coisa meio louca, que a fez comportar-se da maneira mais estranha desde que o conheceu.
Agora que pensa no assunto, fica precisamente na mesma. Não sabe porque se apaixonou por ele. Não sabe e pronto.

Maria Luís Koen




segunda-feira, 29 de abril de 2013







Pássaro vaidoso com túlipa



(bordado de Castelo Branco)



o que é português é bom...



A Roda



Foi uma sorte ter olhado para os anúncios do jornal da terra nesse dia, que é coisa que nunca faço. Anúncios descartáveis, como as cartas que me escrevias quando estavas longe. Agora já não escreves, já não me deixas inquieta de tanta espera. Quando quero, sei que estás sempre ali, fechado, naquele canto, naquele lugar para onde todos vamos um dia. Mas nada acontece por acontecer: os sentimentos, as pessoas, as emoções, as paixões, as bebidas que tomamos juntos, os filmes que alugamos, o nada que me deixaste, os cacos de felicidade deitados no lixo. Acasos proibidos, ilusões.
Nesse dia, folheei sem objectivo as páginas do jornal, sentada no sofá, o cinzeiro cheio de beatas malcheirosas de uma ou muitas noites mal dormidas, como quando era feliz e esperava que tu viesses, limpa e calma, a casa a cheirar a comida e a bolo de chocolate. Mas agora não, agora as taquicardias deixaram de me preocupar, não tenho mais as unhas roídas, afundo-me na ansiedade do dia a dia, do casa-trabalho, do quotidiano feio e sem chama, as olheiras fundas de um cansaço que vem de dentro. No sofá, reparo em letras mais gordas:
Vendo apartamento T2 no Condomínio da Roda
Excelente localização
2 quartos, armários no W.C. e cozinha, 1 lugar de garagem, sistema automático no portão principal e nas entradas,  madeira na sala, 5 anos de uso, único dono. 70.000,00.Euros
Contacto:   Isaac Azenha – 915 904 481
Localidade: Evora
Quartos: 2 quartos
Lugar de garagem: 1
Unidades por andar: 2 por andar
Área (m²): De 60 a 90m²
Valor de Condomínio: 70 euros
O imóvel possui: Armários no W.C e cozinha, pré-instalação de ar condicionado e lareira na sala
O Condomínio possui: 2 court de ténis, piscina exterior, sauna, banho turco, espaços verdes, garagens na cave, elevador, portas com controlo automático, estacionamento exterior
Contacto: isaacazenha@hotmail.com

Durante todo o dia “A Roda” não me largou nem sequer no consultório. O nome agradava-me, o preço também era bom, não podia deixar escapar esta oportunidade de sair do local onde vivia no momento, que me sufocava, me prendia, me deixava em insónias permanentes, que pareciam espinhos, picos, arestas encontradas em feios barracões das quintas. O nome do contacto também me trazia reminiscências positivas dos tempos em que Roberta e eu conversávamos ininterruptamente ao longo da ribeira e em direcção às azenhas. Dizíamos tudo sem vergonha ou pudor, os sentimentos mais descarnados, o amor de um só dia ou noite, a estranheza da solidão que existe no campo, a vontade de construir não sei o quê, de destruir as rejeições, os quotidianos dramáticos, o prazer artificial. Depois despíamos a roupa e mergulhávamos na ribeira fresca, em risadas de alegria e cumplicidade.
Não é que não gostasse do local ou da pessoa com quem actualmente partilhava as despesas, mas desejava muito ter o meu próprio espaço. Outro espaço. Aquele em que me sentisse livre. De memórias, de segredos, de vivências. Longe de recordações amargas, de recordações felizes, de perdas ou loucuras. Sei que nem sempre era a companhia ideal e gostava de uma certa solidão ou calma,  sem intromissões de qualquer espécie, o que se tornava difícil, dividindo o espaço com uma pessoa tão extrovertida, constantemente a trocar de namorado - que fazia questão em me apresentar - como a minha companheira de casa. Além do mais, o nome deste contacto não me era totalmente estranho mas não sabia bem onde, ou da boca de quem, o tinha ouvido.
Quando saí, às nove, chego à antiga casa que partilho, agora,  com a interna de medicina e, já no quarto, ligo ao senhor Isaac Azenha, combino para o dia seguinte a visita ao dito apartamento. Daí à compra é um mês, que o dono queria vender, sem especificar qualquer razão, apenas que queria vender. Estranhei, mas o espaço acolhedor, o fim da tarde, o azul límpido da piscina, o cheiro a flores e a verde já seco, a Setembro, o sossego do local, foram suficientes para não perguntar coisa alguma.

Vendeu.



Maria Luís Koen
(continua)



domingo, 28 de abril de 2013


4

(Marisa Reve)





ZERO



disse-te o amor e ele ficou
preso
à espera do poiso dos teus olhos
e preso
a querer voar-me da garganta
e preso

...

escrevi na terra e estrada
que te amava
rasguei com lama esse amor
proibido
até não mais poder
até as minhas mãos sujas
serem tu
até um dia existir na tua
boca

...

não sei se essas tuas mãos
ainda querem
se o teu corpo quer
mas a prova é infinito zero
longe perto, agora logo
ou vaga de maré cheia.


(Maria Luís Koen)





         "Não me deixe ir
                                  posso nunca mais voltar"


Clarice Lispector




não importa quantas vezes vemos o filme        é sempre BOM!





O Fabuloso destino de Amélie




Pétalas -
estória 3



(obra de Marisa Reve)


3.
Vivia como uma danada, uma agitação sem controlo. Como se o mundo acabasse amanhã e não houvesse tempo para fazer tudo o que queria. Era uma correria constante, uma azáfama audaciosa e enérgica, em que o tempo para o importante não existia. Todos os dias sempre assim, todos os meses, todos os anos.
Mariana vivia um engano. Não via a Primavera, não via as flores e os cheiros. Não via os muros que começavam a cercá-la, os silêncios, as portas que não se abriam. Havia dinheiro, festas, carros e viagens, lojas e compras para fazer. Trabalho aqui e ali, reuniões para aqui e a toda a hora.  Telefonemas, jantares, dias sem princípio ou fim. Sem noites, sem descanso, sem paragens. Vivia cega de frenesim.
Um dia achou que tinha rugas.
Um dia acordou.
Um dia abriu um olho, abriu o outro olho e viu o muro e muitas portas fechadas.
Um dia  ouviu o silêncio, os reflexos do sol desmaiado, sentiu-se amarga.
Mariana caminhou na casa onde raramente estava, sentiu pela primeira vez que o chão era frio, que havia janelas fechadas, outros que eram silêncio, cheiro a mofo e a solidão. Percebeu que o que viveu era fadiga, não sabia o que estava para além do muro, não conseguia ultrapassar o muro, bater à porta que estava fechada. Mariana agora percebia a farsa. Percebia o roubo. Percebia a enorme bola vazia como se tivesse acordado de uma maldição, de um pesadelo.
Passaram horas e dias, muitos momentos frios. A vida, sentia-a muito dura. Esperava que algo mudasse, que o sol não fosse ténue, que pudesse enfim chorar, sair do poço triste e húmido.
Não morrer em vida.

(continua)

Maria Luís Koen

sábado, 27 de abril de 2013





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A Roda - Parte I -2. Joana

2.
JOANA
É Domingo outra vez. Acordo sozinha como sempre. Gosto do meu pequeno apartamento, decorado em tons brancos, com uns salpicos de cor aqui e ali. Adoro a varanda larga e comprida, em u,  de onde, um pouco ao longe ou do alto, é certo, vislumbro o azul da piscina que quase sempre me faz lembrar o mar. O suficiente para me acalmar quando acordo com pouco alento ou quando me sinto sozinha ou um pouco mais deprimida. A culpa é dele, era sempre ele que, já na caminhada sem retorno,  me fazia sentir assim, despida, crua, raivosa, retalhada das mentiras que dizia e que disse até ao fim. Está tudo bem, sim não te preocupes, eu vou ganhar a batalha. O culpado do tédio era ele, do bocejo nas esplanadas poeirentas e, agora, das memórias que não param de me assolar, de me amargar, numa montanha infinita de sensações desavergonhadamente frias, como a água, como o sem sentir dos objectos que me rodeiam, assim, ocos, parados, desiludidos. Canso-me deste sentimento frio, desta incapacidade de alegria, deste gelo nos joelhos. A água, essa que me lava os copos vazios, que me transforma numa fresta de uma janela, essa, tem a capacidade de quase me purificar, defender das energias menos positivas que carrego, que odeio, que me embaraçam. Quando os meus olhos estão vazios, o tapete rasgado, a folhagem seca, e tudo é definitivamente pouco interessante, mergulho na água quente da banheira, ou fixo o olhar na piscina azul escura do condomínio. Vejo-me de novo no mesmo sonho, no jorro quente do nascimento, na água morna que me aplaca a dor, sabendo que não estou sozinha, que outra vem atrás de mim, no mesmo jorro, na mesma água morna, no mesmo desejo de luz, que só uma acaba por ver. Aí, recordo a minha tia que, sempre que me julgava de olhos mais cinzentos, buscava uma taça com água límpida e, depois de alguma reza e uns pingos de azeite, benzia e afastava o mau-olhado de que, segundo ela, eu estava carregada. Calçava sapatos de pano branco ou botins brancos, um horror, falta de gosto, mas não podia dizer, ela não gostaria e trazia-me sempre flores, alento, muitas vezes dúvidas sobre o que eu sentia e vivia. Sempre que vinha a minha casa, libertava-me da ansiedade, nunca duvidei dos seus poderes, do anel que carregava no dedo, da lanterna que eram os olhos dela. Colocava, dentro de um copo alto, liso e transparente, água até chegar a dois dedos da borda, misturava sal grosso, que ia buscar à cozinha, e recomendava uma e outra vez: 
“Deixa sempre o copo atrás da porta da entrada principal da tua casa, filha. Vinte e quatro horas depois, tens que deitar fora a água que sobrou e o copo pode ser usado novamente mas, não te esqueças, o copo tem que estar bem limpo e a água também. Isto, minha filha, para afastar os maus fluidos e os invejosos que entrarem na tua casa”.
O condomínio é sossegado, calmo, redondo, rodeado de espaços verdes com uma pinta azul no meio, que o purifica. Não é o pântano que muitas vezes vejo de noite quando acordo meio sonâmbula, ávida de algo que me falta, esfomeada de sentir o que não sei e quero. Às vezes parece o paraíso, como eu o imagino, o cheiro a jasmim e a ervas pelo ar, os anjos esvoaçando brancos e brilhantes, a regar a secura do meu peito. Aí quase o sinto sagrado. Não foi essa a opinião da minha tia quando me visitou pela primeira vez. Disse até que não devia ter comprado ali apartamento ou coisa alguma. Que os fluidos eram maus e que isso me traria desordens de carácter físico, a mim e a quem aqui vivesse. Dizia que os ambientes eram turvos, com um pulsar desordenado e que as folhas não estavam tão brilhantes quanto deveriam. Afirmou os fumos negros que só ela via, as moscas fedorentas, sinal de azar, o odor a fruta podre de quando se está a morrer. Não contente com estas afirmações, não esteve com meias medidas, foi ao carro buscar a prenda que tinha escolhido para mim por ter uma nova casa: uma linda pimenteira de tons amarelos e vermelhos, que colocou do lado direito das grandes janelas, certa de que captaria todos os maus fluidos que a casa tivesse e eu de tal facto teria a certeza se a dita a qualquer momento secasse.

(continua)
Maria Luís Koen




Frida Kahlo


 "Eu pinto-me porque estou muitas vezes sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor"









gostei demais






Pétalas - estória 2


(quadro de Marisa Reve)



2.
Sentia muito a falta de algo extremamente forte ou extremamente suave. Precisava mesmo muito de algo, mas não sabia muito bem o quê. Era perseguida por esse vazio, essa falta, esse querer tanto.  Até lhe doía o corpo, o pensamento era de agonia, os olhos palpitavam de tanto querer esse algo que não vinha. Essa espécie de sentimento que a perseguia era terrível – como se durante dez meses não houvesse sol, como se caminhasse numa estrada poeirenta que não tivesse fim. Era assim que Rita sentia. Como uma danada, aterrorizada pela falta do que tanto desejava, sem saber o quê. Por isso ninguém a entendia e ela não se fazia entender. Só dizia que lhe doía tudo, uma dor sem remédio e chorava sem saber porquê.
Enrolada na capa de lã, fazia caminhadas pelas ruas e pelos campos, perdida numa busca que parecia não ter fim. Se lhe perguntavam dizia que sim, que era aquilo que queria.  Aquilo o quê? A busca, buscar não sei o quê. Buscar a alegria, aquilo que me falta. O que te falta? Falta-me não sei o quê. Não sei, gritava. Não sei o que me falta, não sei o que falta!
Perdia-se nessa loucura, nessa tormenta de querer sem saber o quê. Sem perceber que há sempre algo que nos faz falta. É mesmo assim. Faz-nos sempre falta algo.
Um dia Rita procurou demais.
Nas nuvens quando olhou para o céu, nos campos quando mirou as searas ondulantes, no mar quando quis saborear o sal, nas memórias, nos jardins em frente à casa, nos desenhos de Dali, nos recônditos da sua sede, sem conseguir parar a busca.
Branca, pálida e perdida no desejo, deixava os dias passar, os meses, cada vez mais fraca, mais débil, na dor de nada conseguir encontrar.
Não conseguia parar, não conseguia voltar.



(continua)
Maria Luís Koen

sexta-feira, 26 de abril de 2013



Like a flower
Waiting to bloom
Like a lightbulb
In a dark room
Im just sittin here waiting for you
To come on home and turn me on

Like the desert waiting for the rain
Like a school kid waiting for the spring
Im just sitting here waiting for you
To come on home and turn me on

My poor heart
Its been so dark
Since youve been gone
After all your the one who turns me off
You're the only one who can turn me back on

...











Sentado ao meu lado
Afastado
Aqui ou lá
Com ou sem barba
Suave ou forte
Inquieto ou doce
Indiferente,
És meu.

Queiras ou não
És meu.

Tentes ou não afastar-te
És meu.

Não sendo meu
És meu.

Também com as outras
És meu.

Odiando-me
És definitivamente
Meu.

Só não és meu
Quando queres ser meu ou
Quando te quero
Em mim.


Maria Luis Koen







As mulheres são diamantes brutos.





As mulheres são diamantes em bruto.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

http://www.facebook.com/joana.saahirah/photos?collection_token=641729885%3A2305272732%3A5



Gostava de saber dançar Belly dance :)


Red wind





                       

                        



Leva todos os livros e letras
hoje
para voltares amanhã com
um só e depois de amanhã
com um outro
e ainda um outro no outro
amanhã
até serem mil os livros
mil as vezes que voltas.
E quando tiveres lido todos
os livros que eu te dou
hoje
volta amanhã, depois de
amanhã, ainda no outro
amanhã e
leva todos os eus que te
dou, vem buscar também
os que te não dou.


                        Maria Luís Koen