Pétalas -
estória 3
(obra de Marisa Reve)
3.
Vivia como uma danada, uma agitação sem controlo. Como se o mundo acabasse amanhã e não houvesse tempo para fazer tudo o que queria. Era uma correria constante, uma azáfama audaciosa e enérgica, em que o tempo para o importante não existia. Todos os dias sempre assim, todos os meses, todos os anos.
Mariana vivia um engano. Não via a Primavera, não via as flores e os cheiros. Não via os muros que começavam a cercá-la, os silêncios, as portas que não se abriam. Havia dinheiro, festas, carros e viagens, lojas e compras para fazer. Trabalho aqui e ali, reuniões para aqui e a toda a hora. Telefonemas, jantares, dias sem princípio ou fim. Sem noites, sem descanso, sem paragens. Vivia cega de frenesim.
Um dia achou que tinha rugas.
Um dia acordou.
Um dia abriu um olho, abriu o outro olho e viu o muro e muitas portas fechadas.
Um dia ouviu o silêncio, os reflexos do sol desmaiado, sentiu-se amarga.
Mariana caminhou na casa onde raramente estava, sentiu pela primeira vez que o chão era frio, que havia janelas fechadas, outros que eram silêncio, cheiro a mofo e a solidão. Percebeu que o que viveu era fadiga, não sabia o que estava para além do muro, não conseguia ultrapassar o muro, bater à porta que estava fechada. Mariana agora percebia a farsa. Percebia o roubo. Percebia a enorme bola vazia como se tivesse acordado de uma maldição, de um pesadelo.
Passaram horas e dias, muitos momentos frios. A vida, sentia-a muito dura. Esperava que algo mudasse, que o sol não fosse ténue, que pudesse enfim chorar, sair do poço triste e húmido.
Não morrer em vida.
(continua)
Maria Luís Koen
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