quarta-feira, 21 de maio de 2014

Subo vezes sem número as escadas


13


Jacek Yerka


Subo vezes sem número as escadas onde

te imagino e, no topo sem fim, arrisco-me no vácuo.

Conheço histórias de fadas que são terrestres

e de príncipes encantados em carros desportivos

ou messias que não conhecem Cristo.

Mas tu estás lá, reconheço os passos no cheiro

que quero tocar. Quando regresso às portas conhecidas

e às janelas sem postigo, nunca desço.


Maria Luis Koen





já chega




Nico Vrielink



já chega de tanto desassossego


A Roda - capítulo 11- O clã começa a chegar







11. 
O clã começa a chegar. Por ser de noite e a lua, cheia, entrar pelos vidros da grande janela da sala, lembrei-me da casa da lua. Mas não sei se todas estamos menstruadas. Quando, noutros tempos, as mulheres se juntavam em grupo, durante um determinado período de tempo, menstruavam juntas. Está provado que acontece assim, qualquer ginecologista dirá o mesmo. Tal facto conferia-lhes um grande poder. Vários grupos de mulheres reuniam-se em tendas a que chamavam  “tendas vermelhas” , numa clara alusão ao sangue. Juntas nessas tendas, menstruavam e eram poderosas por isso. Essas tendas também tinham outro nome: eram as "casas da lua". O sangue menstrual era considerado sagrado - sangrar sem morrer era poderoso e mágico - para as mulheres da Idade da Pedra e, ao longo dos anos sempre existiram rituais femininos ligados à menstruação. Ainda existem hoje. Por exemplo, existia o ritual chamadoThesmophoria. A sua origem perde-se no tempo. Era um ritual realizado anualmente pelos gregos quando se semeava. Reuniam as mulheres que se encontravam na menarca (primeira menstruação). Esse encontro acontecia num campo considerado sagrado, e ao primeiro sinal da primeira menstruação, as raparigas passavam por uma fenda para levar a sua oferenda – o sangue menstrual. Faziam, então, outras oferendas às divindades: a oferta do melhor leitão que existisse numa  ninhada é um exemplo. Quando a carne do leitão morto ficava podre, juntavam-lhe o sangue menstrual e as sementes. Só depois de todos estes passos é que tudo era finalmente enterrado. Era este o contributo, considerado sagrado, das mulheres, para que a colheita desse ano fosse abundante. 
Como este, há muitos rituais, ligando o sangue menstrual a um poder sagrado que só as mulheres detinham: o de sangrarem vários dias, todos os meses, sem morrer. No entanto, ao longo dos milénios muitos destes rituais e celebrações foram desaparecendo ou foram sendo esquecidos ou foram-se tornando quase secretos, alguns até foram considerados como parvoíces de mulheres incultas das aldeias. A menstruação foi sendo cada vez menos apreciada e nos anos 50, 60 ou 70, em Portugal, por exemplo, era praticamente um assunto maldito ou secreto, tabu, considerado uma coisa suja, que só as mulheres tinham, e que devia ser escondido dos outros, até dos próprios maridos. A escritora Mirella Faür é clara: "Enquanto que nas sociedades matriarcais as sacerdotisas ofereciam o seu sangue menstrual à Deusa e faziam suas profecias durante os estados de extrema sensibilidade psíquica da fase menstrual, a Inquisição atribuía a esse poder oracular a prova da ligação da mulher com o diabo, punindo e perseguindo as mulheres 'videntes'”.
Maria Luís Koen


love your perfect imperfections


'Cause all of me 
Loves all of you 
Love your curves
 and all your edges 
All your perfect imperfections 
Give your all to me 
I’ll give my all to you 
You’re my end and my beginning 
Even when I lose I’m winning













Trovoada





Bonnie Rogers


Trovoada:
não pode riscar pessoas, emendar erros, corrigir sentimentos, episódios, arrependimentos. 
Não pode.



terça-feira, 20 de maio de 2014

a thousand years



I have died everyday, waiting for you

Darling, don't be afraid, I have loved you for a thousand years

I'll love you for a thousand more




Christina Perri



Aos seis meses ela disse-lhe




Annie Taylor




- É muito tempo. Sei que parece pouco para o que conheço de ti. 
Gosto de algumas coisas, de outras não e
gostava de conseguir ler-te.
Olha, 
às vezes receio que tudo continue e  depois... vem a mentira.
Desculpa. 
Não gostas, sim,  dizes que sou desconfiada. Sou! 
Mas não é por mal.
É um hábito, uma carapaça,
um escudo contra os outros e tu ainda és o outro ... 
É que não sei se aceitas os meus limites,
erros,
medos.
É só por isso.
Enquanto eu não for capaz de te dizer tudo,
não deves ficar descansado.
Não fiques.

Maria Luís Koen











domingo, 18 de maio de 2014

Não voltes


12


(lucy Salgado)





Não voltes.
O cenário baixou o pano.
Ninguém te viu,
ninguém bebeu a humidade tua,
os gestos abertos lentamente,
ninguém.
Deixa-me agora a Primavera,
o súbito arco-íris,
os jardins afogados em papoilas.

Maria Luís Koen



A Roda - Já não mentia há tanto tempo!




Hafez
Rassouli

Já não mentia há tanto tempo! 

Não lhe falei das benzeduras da minha tia contra o mau-olhado ou da água com sal que tenho disfarçada atrás da porta, da pimenteira no lado direito da janela, da grande  turmalina negra no centro da mesa que tenho em frente à mesma janela, ou sequer, do olho de boi que trago sempre comigo na carteira.
-Já quanto ao cemitério judaico, confesso que é a primeira vez que oiço tal coisa. Onde foi buscar essa teoria?
-Não é teoria nenhuma. Sei do que falo, sou historiador.
- Então, diga alguma coisa.
- Não sabe que em Évora existiu uma das maiores judiarias do país?
- Ouvi qualquer coisa sobre o assunto mas não sei muito sobre isso.
- Não sabe mas até deve conhecer a Rua do Raimundo, as Portas de Alconchel, não? A Rua dos Mercadores?
- Sim, sei que essa é a zona da judiaria e também sei que há a mouraria.
- Na judiaria antiga encontram-se vestígios do século XIV. E, não sei se sabe, no Museu existe um túmulo com inscrições em hebraico. 
- Penso que já o vi, sim. Muito interessante! É a sua área de estudos, não?
- Sim, neste momento, especializo-me precisamente nessa área. Há diversos estudos sobre este tema e a Dra. Maria José Ferro Tavares, por exemplo, tem livros publicados  sobre os judeus.
- Quem?
- É uma especialista no estudo dos Judeus em Portugal. Se quiser podemos falar sobre este tema, mas não hoje e não aqui. Agora quero mesmo é falar sobre a mulher que me espatifou o carro.
-Não está certo. Acabou de me dizer que o condomínio onde vivo afinal não é tão sagrado quanto eu pensava. Fiquei curiosa com o que me disse – protestei.

Mas ele não esteve com meias medidas, que o assunto do cemitério seria para o próximo encontro, já bastava a chatice, ou melhor, a sorte de eu lhe ter batido no carro, que tínhamos mais era que beber o café e o chá, que já estavam a arrefecer e pedirmos uma outra bebida para brindar a esta recente e promissora amizade. Na altura achei um atrevimento mas, por outro lado, secretamente, sentia-me infinitamente bem por aquele moreno historiador centrar as suas aptidões e atenções em mim. 
... Saboroso que as teias não aparecessem, os delírios parados num cantinho do cérebro, o zum zum dos suspiros dele sem som...
Deixei-me embalar pelo tom ameno da voz do Simão, pelas histórias divertidas que contou, pela quietude que me relaxou…
Curioso que recorde esta conversa e que, nos vários encontros que entretanto tive com o Simão, não voltássemos a falar sobre o condomínio azarado e que me esteja a lembrar do assunto agora.

Maria Luís Koen


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Annie Taylor



Procura-se desesperadamente uma cor forte
um som forte
uma qualquer coisa forte.