Rassouli
Já não mentia há tanto tempo!
Não lhe falei das benzeduras da minha tia contra o mau-olhado ou da água com sal que tenho disfarçada atrás da porta, da pimenteira no lado direito da janela, da grande turmalina negra no centro da mesa que tenho em frente à mesma janela, ou sequer, do olho de boi que trago sempre comigo na carteira.
-Já quanto ao cemitério judaico, confesso que é a primeira vez que oiço tal coisa. Onde foi buscar essa teoria?
-Não é teoria nenhuma. Sei do que falo, sou historiador.
- Então, diga alguma coisa.
- Não sabe que em Évora existiu uma das maiores judiarias do país?
- Ouvi qualquer coisa sobre o assunto mas não sei muito sobre isso.
- Não sabe mas até deve conhecer a Rua do Raimundo, as Portas de Alconchel, não? A Rua dos Mercadores?
- Sim, sei que essa é a zona da judiaria e também sei que há a mouraria.
- Na judiaria antiga encontram-se vestígios do século XIV. E, não sei se sabe, no Museu existe um túmulo com inscrições em hebraico.
- Sim, neste momento, especializo-me precisamente nessa área. Há diversos estudos sobre este tema e a Dra. Maria José Ferro Tavares, por exemplo, tem livros publicados sobre os judeus.
- Quem?
- É uma especialista no estudo dos Judeus em Portugal. Se quiser podemos falar sobre este tema, mas não hoje e não aqui. Agora quero mesmo é falar sobre a mulher que me espatifou o carro.
-Não está certo. Acabou de me dizer que o condomínio onde vivo afinal não é tão sagrado quanto eu pensava. Fiquei curiosa com o que me disse – protestei.
... Saboroso que as teias não aparecessem, os delírios parados num cantinho do cérebro, o zum zum dos suspiros dele sem som...
Deixei-me embalar pelo tom ameno da voz do Simão, pelas histórias divertidas que contou, pela quietude que me relaxou…
Curioso que recorde esta conversa e que, nos vários encontros que entretanto tive com o Simão, não voltássemos a falar sobre o condomínio azarado e que me esteja a lembrar do assunto agora.
Maria Luís Koen
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