segunda-feira, 1 de julho de 2013

A roda - continuação

 A Roda
continuação


Glen Preece


Não acreditei em metade do que a bruxa disse. Provavelmente arranjou um qualquer plano maquiavélico para dar cabo do marido, livrar-se dele.
- Mas já conhecem muita gente através da Internet?
- De facto, não. Mas conheci Amélia e não estou nada arrependida.
Olham-se diretamente nos olhos, consigo finalmente captar um brilho especial, uma emoção. Quase sei que, por baixo da mesa, as mãos de ambas se tocam. Terminamos o jantar com um brinde. Visto o casaco, está frio:
- Então até à próxima, Ana.
- Adeus, Mafalda. Vens, Amélia?
- Não, vou com a Mafalda.
Entram as duas no carro, aceno e entro no meu. Tenho as mãos geladas e o coração. Não me deixei encantar pela sereia, sei que Amélia vai sofrer, que ela é má, que lhe vai tirar a alegria, aquele olho não me enganou, o frio que senti, gelado, a subir, quando olhei para ela, o reflexo escuro dos olhos violeta. 
Dói-me tudo. 
Dói-me a alma. 
Mais cedo do que Amélia pensa, vai chorar sentada na cadeira, vai desejar não a ter conhecido. 
É sexta-feira à noite e estou sozinha. Penso que às vezes é melhor nem começar seja o que for, quando se sabe que vai acabar mal, que vai terminar. Terrivelmente sozinha é como me sinto e é como Amélia se vai sentir quando o olho violeta daquela bruxa cair sobre ela e a ferir de morte. 
A solidão é um estado interior, um vazio que não se preenche. Às vezes a solidão ataca forte. Torna-se problema. Porém, muitas vezes sinto a necessidade de estar só, parece contradição, pois só dessa maneira consigo algum equilíbrio emocional, pensar na minha experiência individual. Então, essa solidão comigo mesma faz-me falta: é quando estou só que tranquilamente me recrio. Outras vezes, como agora, a solidão é dorida e fria. Uma mágoa que me invade devagar, amarga, cinzenta. Falta-me um certo aconchego que me abrace à noite na cama, me segrede umas doçuras ao ouvido, mordisque e possua sem pressas. Dou uma volta pelo centro, de carro, o telemóvel toca já perto de minha casa.
Maria Luís Koen



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