quinta-feira, 13 de junho de 2019


Sete de(s)atino

Depois da conversa à  volta de botões, percebo que sei nada e que todos estão doentes, do corpo e da cabeça, do coração imagino que também. 
Ela falou da história dos botões, da recolha em grandes garrafões, de botões de todas as cores, tamanhos e feitios. Ela mostrou a garrafa de um litro, branca, quase cheia de muitas ofertas, abriu a tampa, despejou o conteúdo para cima da mesa limpa e falou tempo sem fim, já não recordo quanto, da história de cada um, de cada memória, de cada desgosto, alegria, coisa boa ou má, apegada a cada objecto redondo, quadrado, pequeno, grande. Um frasco cheio de estórias que eu desconheceria não fosse o chá de citronela para que me convidou nessa tarde de setembro. Fui me afundando no sofá à medida que ela falava de cada um daqueles botões, sentido a dor do dono do casaco azul a que um deles pertencera ou a loucura ardente e macia que emanava daquele redondinho cor de violeta. Fiquei assim um pouco tonta, porque passadas mais do que três horas, me apercebi que tudo era terrivelmente belo e ao mesmo tempo muito real, profundo, verdadeiro. Todas aquelas cores e formas me sugaram para as suas vidas, desconhecidas, transformadas em corações, olhos e bocas pouco silenciosas, como se soubessem que eu ouviria, que compreenderia e sentiria. Foi assim um pouco assustador perceber que até os botões trazem histórias, muitas, murmúrios que não podem voltar atrás. E essa tarde foi sobre seres, talvez já mortos, não sei, que viram e sonharam e voltaram às suas casas caiadas, aos seus ódios de estimação, às incompreensões alheias e amores sem remédio. 
Quando ela voltou a colocar os botões no frasco percebi que estava diferente, eu também, nem próximas nem distantes. Pouco falámos já, tínhamos visto muito.

Maria Luís Koen