Sete de(s)atino
Depois da conversa à volta de botões, percebo que sei nada e que
todos estão doentes, do corpo e da cabeça, do coração imagino que também.
Ela
falou da história dos botões, da recolha em grandes garrafões, de botões de todas
as cores, tamanhos e feitios. Ela mostrou a garrafa de um litro, branca, quase
cheia de muitas ofertas, abriu a tampa, despejou o conteúdo para cima da mesa
limpa e falou tempo sem fim, já não recordo quanto, da história de cada um, de
cada memória, de cada desgosto, alegria, coisa boa ou má, apegada a cada objecto
redondo, quadrado, pequeno, grande. Um frasco cheio de estórias que eu
desconheceria não fosse o chá de citronela para que me convidou nessa tarde de
setembro. Fui me afundando no sofá à medida que ela falava de cada um daqueles
botões, sentido a dor do dono do casaco azul a que um deles pertencera ou a
loucura ardente e macia que emanava daquele redondinho cor de violeta. Fiquei
assim um pouco tonta, porque passadas mais do que três horas, me apercebi que
tudo era terrivelmente belo e ao mesmo tempo muito real, profundo, verdadeiro.
Todas aquelas cores e formas me sugaram para as suas vidas, desconhecidas,
transformadas em corações, olhos e bocas pouco silenciosas, como se soubessem
que eu ouviria, que compreenderia e sentiria. Foi assim um pouco assustador
perceber que até os botões trazem histórias, muitas, murmúrios que não podem
voltar atrás. E essa tarde foi sobre seres, talvez já mortos, não sei, que
viram e sonharam e voltaram às suas casas caiadas, aos seus ódios de estimação, às incompreensões alheias e amores sem remédio.
Quando ela voltou a colocar os
botões no frasco percebi que estava diferente, eu também, nem próximas nem
distantes. Pouco falámos já, tínhamos visto muito.
Maria Luís Koen
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