SEIS
Julia Hamilton
De súbito o claro fica escuro,
fiquei parada sem avançar ou recuar. Parada no tempo, parada na vida, na
vontade, sem conseguir seguir em frente.
E era algo que precisava muito fazer: não ficar ali, procurar o depois. E há
sempre um depois - depois da chuva
parar, depois do vento abrandar, depois da porta se entreabrir, depois dos
medos voarem , depois das más lembranças se desvanecerem. Mas é difícil, nem sempre conseguimos amenizar os
estragos , os cantos escuros da nossa mente, o amargo de boca que aparece
quando não queremos. Então, parada ali, na estrada, parecia que a mente me
obrigava a voltar atrás no tempo. Conduzi sem ver o trânsito, como um autómato,
e os factos passados ali estavam, nem sempre por ordem cronológica, nem sempre
da maneira que eu queria, nem sempre exactamente como tinham acontecido, numa
onda que ia crescendo, crescendo, crescendo. Às vezes os factos passados ainda
eram presente e, por isso, essa já gigante onda parecia não ter fim. E depois, repentinamente,
algo pareceu acontecer, como uma buzinadela, um peão que se atravessou na
passadeira ou uma travagem busca e tudo se desvaneceu, tudo se tornou num novelo imaginário de lembranças pouco
nítidas, que agora pareciam sem valor.
Muitas vezes assim, vemos o que
não queremos e, num qualquer movimento, vagamente absurdo ou não, num dia
especial ou não, aquela lembrança desaparece, aquelas nuvens escuras já não
estão ali, aquela triste irritação já não é nada disso. Ficam apenas imagens
sem dor.
Maria Luís Koen
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