segunda-feira, 15 de abril de 2019

Des(a)tino - CINCO

CINCO

Henry Moore


O cheiro do mar, o cheiro da chuva, os pés enrolados na manta, a música baixinho. Era sempre tão bom estar ali nesses dias ainda sem muito frio. O Inverno era mais agreste mas não me importava de correr com o guarda chuva aberto, rápida, com o casaco bem apertado em direcção à pastelaria, para aí me sentar, molhada, cansada, mas feliz. Geralmente nesses dias chovia sem parar, as pessoas ao lado a protestar, que não havia taxi, que não podiam sair. Fazia tanto frio! A humidade do mar e da chuva colava-se à roupa, as vozes sussurradas de café e eu sem querer saber. Nesses dias gostava da chuva, do frio, do nariz roxo, da correria nas poças de agua a caminho de casa, as calças e os pés molhados, as mãos geladas apesar das luvas. Às vezes ele vinha e abríamos uma garrafa de vinho, eu ainda cansada da correria à chuva, esfomeada, sentava-me no quente e seco da lareira e era um bocadinho eu. Outras vezes não lhe abria a porta, ficava parada no tempo ou algures num devaneio, sem conseguir sair daquela espécie de poça de lama. Ficava parada  em frente a um muro cinzento que me impedia de avançar. Trovejava muitas vezes, fazia um esforço grande para afugentar o torpor, inventava um sorriso e, sem pressa, corria em direcção a ele, outra vez, abrindo a porta no meio da chuva, porque era esse o caminho certo para chegar inteira ao destino.



Maria Luís Koen


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