domingo, 8 de junho de 2014

a roda - continuação



Liu Yuanshou

As mulheres modernas dos dias de hoje desconhecem a sua história como mulheres, e muitas consideram a menstruação um episódio mensal no mínimo aborrecido, um tremendo incómodo que não se importariam de abolir de vez. As mulheres do século XXI deixaram de ter e de se juntar nas “casas de lua”, nas “tendas vermelhas” para poderem descansar, conversar e partilhar as suas experiências, problemas, aflições e medos, bem como a sua intuição , essa bem antiga. Mas a verdade é que, quando acontecem jantares ou reuniões de mulheres, o resultado é que elas ficam mais felizes e sentem-se bem e com vontade de estarem de novo juntas. Nas antigas casas de lua, as mulheres mais velhas ensinavam às mais novas as chamadas “coisas de mulheres”, tais como viver com os ciclos menstruais  de uma  forma calma e sem grandes dores, ou problemas. Mas, ainda assim, apesar da era moderna em que vivemos, em algumas aldeias de Portugal, as mulheres menstruadas ainda se juntam para analisar os ciclos, para anotar a lua em que geralmente chega a menstruação (muitas vezes chamada  “a Velha ”) e para conversarem. Conhecem as luas e os seus poderes, sabem os períodos férteis, quando nascem os filhos. Sabem que a Lua Nova significa o início do ciclo, que o Quarto Crescente tem a ver com o amadurecimento, que a Lua Cheia quer dizer colheita e que o Quarto Minguante é a altura certa para avaliar o que correu bem e o que correu mal,  para assim poderem começar um novo ciclo. Este conhecimento e observação fazia com que as mulheres das aldeias não fossem ao médico, muitas ignoravam os métodos contraceptivos pois sabiam identificar os seus períodos férteis e também as probabilidades dos nascimentos.
A psicoterapeuta Patricia Cuocolo, que estudei nos tempos de faculdade e que se especializou nesta área, afirmou num dos seus estudos, algo que todas as mulheres sabem: que a “Lua, Sangue e Mulher sempre estiveram associadas. Em várias línguas as palavras menstruação e Lua são as mesmas ou estão relacionadas”. Todas sabemos o que é “estar aluada”. A primeira forma de medir o tempo foi, de facto, através do ciclo menstrual das mulheres. Estes pareciam estar de algum modo ligados entre si.  Essa sincronia apontava para uma ligação entre as mulheres, a Lua e as deusas da fertilidade. De acordo com esta terapeuta, muitas das queixas apresentadas atualmente pelas mulheres no seu (também no meu) consultório, e na clínica médica de cuja equipa faz parte, tais como “Tensão pré menstrual, cólicas, dificuldade em engravidar, doenças no útero, ovários e seios, têm as suas origens no facto da mulher se ter distanciado de sua natureza cíclica e sábia, onde a sua capacidade de se silenciar para ouvir a própria intuição e as mensagens do seu reino interior ficou para trás, com prejuízos drásticos para o seu equilíbrio físico - psíquico – espiritual” (sic).
Não é por acaso que na tradução da História Natural de Plínio aparece: «A mão de uma mulher com a menstruação transforma o vinho em vinagre, seca as colheitas, mata as sementes, murcha os jardins, faz cair a fruta das árvores, escurece os espelhos, oxida o ferro e o latão …, mata as abelhas, tira o brilho ao marfim e enlouquece os cães que lambem o sangue da menstruação…». Ainda hoje, nos países do sul da  Europa, como Portugal, se continua a acreditar que uma mulher menstruada azeda a cerveja se entrar numa cervejaria, estraga os bolos que estiverem a ser confeccionados, desanda a maionese ou estraga a carne dos enchidos quando estão a ser feitos. A mãe de uma amiga minha, de Sintra, não permitia que alguém menstruado fizesse a maionese – saia sempre mal, era um desperdício de ingredientes! A minha avó, quando matava e enchia as carnes, não deixava entrar ninguém nesse quarto, especialmente se fosse mulher, sem saber se “estava impura ou não”. Só depois de ser dito que se estava “pura” é que os olhares das outras mulheres ajudantes, que tratavam da carne, se acalmavam e se podia entrar. 

Maria Luís Koen


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