10.
Viveu num poço durante muito tempo. Ou durante o tempo todo de que se recorda. Achava aquilo tudo normal.
Aquilo é o espaço que escolheu para viver: o poço.
O frio, o cheiro a humidade, o escuro, o musgo que ali havia. Mudar para quê? Para ficar pior, antes assim.
Mudar implicava sair dali, dormir e acordar noutro lugar.
Ia fazer isso porquê?
Qual a garantia de que seria melhor?
Seria menos ou mais frio?
Menos húmido?
Mais claro?
Até gostava do musgo, que era macio ao toque. E o escuro fazia com que se sentisse segura. Pelo menos ninguém a via, ninguém sabia.
Se mudasse, seria tudo diferente?
Se mudasse, alguém olharia para ela? Alguém diria: “Olá Ana?”
Alguém se preocuparia com ela?
Alguém perguntaria: “Está tudo bem, Ana? “
Se mudasse, seria mais feliz?
Talvez alguém lhe dissesse: “Ana, fico contente por saber que estás bem, que estás menos tímida, que saíste da casca, do buraco onde estás sempre metida”.
E talvez Ana respondesse que sim, que já não tinha vergonha, nem medo de ser julgada pelos outros, de ser traída pelas emoções.
Mas isso assusta as pessoas - Ana sabia.
A verdade, a clareza, as emoções cruas. Não querem saber, não querem ver ou fingem que não sabem nada, que não viram nada. Colocam a máscara de todos os dias e pronto, está tudo bem porque sim, porque deve estar, porque é normal. Não desejam saber o lado escuro e descarnado que os outros cobrem com a roupa do dia a dia, não querem saber o que está por detrás da máscara. Estão-se a borrifar para a Ana que conhecem vagamente. Acham apenas que vive numa mansão e não num poço frio e escuro.
O que interessa é que todos os dias digam: “ Boa Tarde, como está?” E pronto, está a pergunta feita. E a resposta estereotipada: “Está tudo bem, obrigada”.
Fica tudo feliz, fica tudo satisfeito. Afinal está tudo bem.
A vizinha doente está bem, o vizinho alcoólico está muito bem, o drogado ali do lado está fantástico, o velhote do terceiro esquerdo que anda na cadeira de rodas e não sai de casa desde que teve o acidente, está uma maravilha.
É melhor viver escondida num poço, mesmo que no Verão ele seque e assim morra.
Maria Luís Koen
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