tigran tsitoghdzyan
Não dorme com o ruído da porta, do vento, do cão a ladrar , o
gato do vizinho ou a televisão do segundo esquerdo.
Não dorme porque lhe encheu as malas com roupa amarrotada de
raiva, de irritação, de mágoa ou ira. Não são ciúmes, não. Nem é uma dor
intensa. É um sopro que lhe revolve o pensamento e o atira pelo vão das
escadas. Toma que lá vai a mala, as roupas e o perfume barato. Vai a barba por
fazer e os lençóis com cheiro a alfazema, como ele gosta.
Não dorme porque o engano a esmaga, fecha os olhos mas o sono
não chega. Apenas o ruído ritmado das cores cinzentas, do fato escuro, o
casacão cinzento a avisar que aquilo tudo vai ser só escuridão, mesmo que os
lençois sejam brancos, que os momentos brilhem.
Não dorme porque vê a metamorfose do amado. Vê a chuva, vê a
água e a mala enlameada. O Outono foi ele que o trouxe, as escadas como folhas
caídas, a mala com a roupa na penumbra . E as miúdas a olhar sem perceber o
momento, o vazio dos amantes, a nudez inquieta da falta de gestos maiores ou
ásperos sons.
É por isso que não dorme, dia e noite a mesma luz.
Maria Luís Koen