São duas da manhã e não se ouve um som, tudo está
calmo e dorme. Pode ser Domingo ou Sábado ou um qualquer outro, não interessa.
Imagino as pessoas deitadas, em sonos profundos. Menos eu que deambulo, sem
nexo, pelos armários da cozinha, para comer qualquer coisa, para pensar nada, o
que é impossível. A sala está ali mesmo em frente, posso remexer nos livros
apesar de não querer lêr, posso ligar a TV e nada ver, posso sentar-me no sofá
e comer um iogurte grego com bolachas e banana. Posso isso tudo porque são duas
da manhã e não há barulho que me incomode. Fico feliz com isso, mas o silêncio também pode
perturbar- às vezes mais do que o barulho, porque não silencia os pensamentos,
não apaga as memórias e as preocupações
que não queremos ter. É isso que irrita. O dia inteiro imersa em atividades e,
depois, o pretenso descanso transforma-se num turbilhão de inseguranças e a noite
torna-se maldição. É isto, não é? Tudo fica nu e a crueldade nua das coisas
magoa. Por vezes, o som de um cão ou de uma gata que mia distrai-nos destas
noites insensatas, em que não suportamos os fantasmas que nos confundem e não
entendem nada.
Maria Luís Koen