quarta-feira, 31 de março de 2021

Fantasmas

 

  Vincent van Gogh


São duas da manhã e não se ouve um som, tudo está calmo e dorme. Pode ser Domingo ou Sábado ou um qualquer outro, não interessa. Imagino as pessoas deitadas, em sonos profundos. Menos eu que deambulo, sem nexo, pelos armários da cozinha, para comer qualquer coisa, para pensar nada, o que é impossível. A sala está ali mesmo em frente, posso remexer nos livros apesar de não querer lêr, posso ligar a TV e nada ver, posso sentar-me no sofá e comer um iogurte grego com bolachas e banana. Posso isso tudo porque são duas da manhã e não há barulho que me incomode.  Fico feliz com isso, mas o silêncio também pode perturbar- às vezes mais do que o barulho, porque não silencia os pensamentos, não apaga  as memórias e as preocupações que não queremos ter. É isso que irrita. O dia inteiro imersa em atividades e, depois, o pretenso descanso transforma-se num turbilhão de inseguranças e a noite torna-se maldição. É isto, não é? Tudo fica nu e a crueldade nua das coisas magoa. Por vezes, o som de um cão ou de uma gata que mia distrai-nos destas noites insensatas, em que não suportamos os fantasmas que nos confundem e não entendem nada.


Maria Luís Koen


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