segunda-feira, 5 de abril de 2021

Carícias

 

                                                    (@João Alfaro)


     Todas as tardes de sexta feira havia encontro. Ele esperava ansiosamente por ela, mas só no início. Depois tornou-se um hábito e ele, certo de que ela não faltava, já nem esperava com anseio ou desespero, nem comprava os doces que ela tanto gostava ou fazia sequer as pequenas surpresas que ela tanto adorava. Era assim e foi assim durante muito tempo. A rotina era tanta que muitas vezes não falavam, só o estar ali juntos era suficiente. Sentados, viam um filme, ou dois ou três filmes, quase a noite toda e pouco sobrava para se olharem por dentro. Outras vezes ficavam por ali, em casa, cada um entregue aos seus pensamentos, sem nada esperar um do outro, sem frustrações, medos ou acusações. Era assim. Desamparo que ambos amparavam. Não sabe o que fez alterar a situação, tentou muitas vezes relembrar qualquer detalhe diferente ou algo que tivesse despoletado a mudança, mas nada lhe ocorreu.  Ela não apareceu. Esperou a tarde toda, foi ao calendário do telemóvel verificar se era de facto sexta-feira e era, mas não ficou ansioso. Desesperadamente procurou na memória algo que ele ou ela tivessem dito mas raramente diziam algo. Pensou : talvez tivesse sido o que não foi dito. Talvez. Ou a falta de carícias.


Maria Luís Koen

Sem comentários:

Enviar um comentário