(@Anna Silivonshik)
São seis da manhã e é Outono mas parece Primavera. O
sol ainda não nasceu e a claridade passa pelas gretas da janela. O autocarro é
só às oito, ainda tenho tempo para ganhar coragem e dizer-lhe, sim coragem,
porque há certos assuntos que são difíceis de abordar e, por isso mesmo, não os
dizemos. Mas hoje talvez consiga. Talvez consiga e não fique calado, mas tenho
medo. Umas vezes falamos e o outro entende algo diferente, não o que dissemos.
Parece que o som transforma as nossas palavras noutras palavras e noutros sons.
Ainda assim, é melhor dizer, é melhor eu hoje falar, ganhar coragem e dizer,
senão pode acontecer nunca mais ter essa conversa e ficaremos com saudades
daquilo que não dissemos, das palavras que não ouvimos e, por causa disso, do
que não sentimos. O autocarro é só às oito, vou levantar-me, chegar perto e, ao
pequeno-almoço, falar-lhe de como gosto de sentir o fio dos seus cabelos nas
minhas mãos ou do seu sorriso manso quando largamos as bicicletas junto à nossa
árvore, passeamos de mãos dadas no
jardim e paramos para ver sempre o mesmo pato, colorido. Eu sei que não digo as
coisas ou digo só com o pensamento e, por isso, ela não ouve mas mesmo com
todos os silêncios, sabe que gosto dela quando a abraço de uma forma especial
ou quando lhe toco nos fios dourados do cabelo. Os beijos que damos à sombra da
nossa árvore fazem-me cantar loucamente por dentro mas sei que vai rir se o
disser, ou melhor, não sei mas imagino e continuo a querer e a crer que as mãos
que damos são verdadeiras, que os nossos corpos nus não são miragens e que não quero continuar nesta incerteza que me
mata.
Maria Luís Koen
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