segunda-feira, 24 de junho de 2013

A roda

A Roda
continuação


Cinzia Pellin

A conversa gira à volta de tudo um pouco, há um desabrochar da personalidade que não consegui ler nos primeiros instantes – aquela que ela quer que eu saiba, que eu aprenda, que eu conheça. O canto da sereia. É isso que ela é. Sereia encantada ou bruxa má.
Mafalda é culta, vai ao cinema uma vez por mês, ou tenta, como ela própria diz, para não morrer de pasmo. Aproveita sempre que o filho fica com o ex-marido. Divorciou-se quando este tinha três anos. Não aguentou a pressão do agora ex-marido. Não lhe batia, mas a pressão psicológica era constante: nunca nada estava bem feito, nem em casa, nem com o filho, nem no trabalho. Dizia que era um escravo dela, um criado e que , por isso, ela tinha sucesso e ele não. Com o tempo ele foi conseguindo o que no fundo queria: subjugá-la. A sua auto-estima ficou muito em baixo, já nem conseguia decidir nada sem ele: o cinema ou o teatro, o vestido azul ou o preto – era ele quem decidia tudo, quem controlava tudo. Aos poucos foi perdendo os amigos, deixou de se encontrar com eles, nunca eram suficientemente interessantes para o marido. Sozinha consigo mesma e com os seus medos interiores, esmoreceu e com ela a relação. “Era uma relação tóxica, compreende? Amorfa. Deixou de haver cumplicidade, confiança e afetividade entre nós”. Com a ajuda de uma colega com quem fez psicanálise, conseguiu acabar com a tormenta e não se arrependeu. Depois, foi um caminho de re-aprendizagem de tudo e dela própria, de fazer amigos, de sair, de conversar ao telefone, de fazer as suas próprias escolhas e tomar as suas decisões. Foi o extravasar de toda a repressão.

Agora, de quinze em quinze dias dá-se a pequenos luxos, como ficar todo o dia em pijama, não cozinhar ou, até, fazer uma massagem Vichy. Com o filho em casa é sempre diferente. Quando ele não está, se não vai ao cinema procura ir ao teatro, às vezes com o Jorge, outras vezes com amigos. Adora ler e o passatempo eleito é surfar na net. Perde horas do seu pouco tempo livre no computador - “uma maneira de relaxar” e de conhecer outros.
Maria Luís Koen


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