andrew judd
9.
Quis morrer mais do que uma vez.
Estava farta de tudo: farta de sentir, farta de não sentir, de não encontrar o que sonhava, farta de viver.
Pegou no carro e pensou : vai ser desta que acabo com isto!
Vagueou até descobrir o local certo. Havendo local certo, que ela não sabia bem.
Ali não lhe agradava, era muito barulhento; ali também não, era muito de passagem. Talvez ali, ao longe, no cimo, bem alto, perto da fortaleza onde, no passado, tantos homens morreram a lutar. Aí talvez fosse bom morrer – sempre encontraria os bravos na viagem.
Estacionou e não pensou muito ou até pensou um bocado. Não tem memória se pensou – na filha pequena, nos pais, porventura em algum amigo. Talvez tenha pensado. Não sabe ao certo. Querer morrer é doença, dizem. Por isso não sabe se pensou no assunto. Queria era acabar com tudo o que tinha na cabeça.
Tudo.
Não via a magia. Não havia. Nada, a não ser os comprimidos que emborcou para parar de sentir. Sentir para quê? O quê? Queria outra vida, melhor do que esta que tinha. Pelo menos diferente. Queria mais, queria outra coisa, queria à noite não sentir fome de doçura. Uma mudança que a morte lhe traria. Seria, no mínimo, o paraíso.
O paraíso branco e verde quando acordou, o cheiro a hospital, olhos e mais olhos a julgar.
O psiquiatra a falar, a questionar.
Atrás da janela da sala Fernanda recorda algumas coisas. Apenas as que quer recordar. Sabe que algo mudou. Não aquilo que queria. Mudou certamente o olhar. As certezas não. As expectativas sim. De que não vale a pena querer o impossível, não vale a pena estender a mão, não vale e pena exigir a magia. Ela acontece se tiver de acontecer, apesar de poder nunca vir a brilhar.
Não sabe se é mais feliz, se é mais infeliz.
Procura um tesouro escondido, cigarro na boca, olhos a brilhar, presa num corredor infinito, de mãos estendidas. Procura sabendo que pode nunca o encontrar.
Fernanda pensa no suicídio quando se olha ao espelho pela manhã. Pensa também que precisa dos cheiros que surgem do campo em frente à janela do quarto, pensa que tudo se esvai, que tudo desaparece como aparece.
E continua a moldar a sua pequena estátua de barro escuro, à espera que as horas passem e que chegue o dia de voltar a ser ela.
Maria Luís Koen
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