Memórias da Aldeia
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O
avô Baptista e a avó Isabel
O avô era um bom contador de histórias.
Conhecia várias e sabia contá-las. Tão bem, que serão de Inverno não o era sem
um conto – o do João Sem Medo ou João Soldado, o meu favorito. Também
me ficou “O conto que nunca mais
acaba. Se queres que te conte, eu conto, se não queres, não conto.
Queres que te conte?”
-
“Sim” – dizia.
-
“Não digas sim, que este é o continho que nunca mais acaba.
Se queres que te conte, eu conto, se não queres, não conto. Queres que
te conte?”
-
“Ó avô, já dissemos que sim!”
-
“ Não digam - Ó avô, já dissemos que sim - que este é o
conto que nunca mais acaba. Se querem que vos conte, eu conto, se não
querem, não conto. Querem que vos conte?”
-
“Assim não vale!” – resmungávamos.
-
“Não digam – assim não vale - que este é o conto que nunca mais acaba.
Se querem que vos conte, eu conto, se não querem, não conto. Querem que
vos conte?”
Já aborrecidos dizíamos:
-
“Isto já chateia!”
-
Não digam – isto já chateia - que este é o conto que nunca mais acaba.
Se querem que vos conte, eu conto, se não querem, não conto. Querem que
vos conte?”
-
“Não! Já não queremos, pronto. “
-
Não digam – Não, já não queremos, pronto - que este é o conto que nunca
mais acaba. Se querem que vos conte, eu
conto, se não querem, não conto. Querem que vos conte?”
Escusado será dizer que este conto era
irritante e não tinha fim!!
Já o meu pai o contava no caminho para a
aldeia e também aos netos, meus filhos.
Mas havia outros, que já não sei precisar.
Os serões nunca eram monótonos, fossem eles sem luz elétrica ou, mais
tarde, com luz elétrica.
O avô João era pedreiro. Um homem direito
e magro, que depois do trabalho tratava da horta e dos animais. Foi sempre um
avô bondoso, que cuidou do trabalho, das terras, da casa e da família.
O avô bebia aguardente com uns minicopos que ainda guardamos como preciosidades de
outros tempos. Era ele que a fazia e, das reações de quem a bebia, era fogo
ardente! Havia também o azeite, das azeitonas que ele e a avó colhiam, quando
era o tempo.
Já mais no fim da vida, viúvo, revejo a
imagem do homem seco de carnes e cheio de coração.
A avó Isabel era risonha, direita e magra.
Não me lembro dela nova. Só me lembro dela já velhota. Admirava as suas saias,
saiotes e aventais – por serem muitos e diferentes. Achava admirável que nunca
tivesse cortado o seu longo cabelo, enrolado atrás e preso com ganchos largos.
E havia os lenços que as mulheres colocavam na cabeça. Variados, também. Nas
pernas usava meias até ao joelho ou mesmo até acima, presas com ligas. E o
xaile. Imprescindível.
Na
verdade, os costumes são mais da Beira do que do Alentejo, até no vestir.
A
avó tinha muitas dores. Queixava-se que lhe doía aqui e ali. Ali e aqui. Foi
decidido que talvez as termas fossem boas para ela. E num Verão lá fomos, todos
os dias, com a avó a banhos. Era uma banheira cheia de água muito quente onde
ela ficava durante, já não sei precisar, quanto tempo. Fora do edíficio o
espaço era bonito e verdejante. E ela teve menos dores. Também era alérgica
como eu e a Primavera não era muito agradável.
Não sei se era boa cozinheira, mas
cheira-me aos pratos que fazia – como as sapatinhas,
que ainda hoje adoro.
Vê-la no hospital ainda é real. Foi uma
grande tristeza quando morreu.
sapatinhas
Maria Luís Koen
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