domingo, 26 de julho de 2020



Memórias da Aldeia


13
O avô Baptista e a avó Isabel




     O avô era um bom contador de histórias. Conhecia várias e sabia contá-las. Tão bem, que serão de Inverno não o era sem um conto – o do João Sem Medo ou João Soldado, o meu favorito. Também me ficou “O conto que nunca mais  acaba. Se queres que te conte, eu conto, se não queres, não conto. Queres que te conte?”
- “Sim” – dizia.
- “Não digas sim, que este é o continho que nunca mais  acaba.  Se queres que te conte, eu conto, se não queres, não conto. Queres que te conte?”
- “Ó avô, já dissemos que sim!”

- “Assim não vale!” – resmungávamos.
- “Não digam – assim não vale - que este é o conto que nunca mais  acaba.  Se querem que vos conte, eu conto, se não querem, não conto. Querem que vos conte?”
 Já aborrecidos dizíamos:
- “Isto já chateia!”
- Não digam – isto já chateia - que este é o conto que nunca mais  acaba.  Se querem que vos conte, eu conto, se não querem, não conto. Querem que vos conte?”
- “Não! Já não queremos, pronto. “
- Não digam – Não, já não queremos, pronto - que este é o conto que nunca mais acaba.  Se querem que vos conte, eu conto, se não querem, não conto. Querem que vos conte?”
     Escusado será dizer que este conto era irritante e não tinha fim!!
     Já o meu pai o contava no caminho para a aldeia e também aos netos, meus filhos.
     Mas havia outros, que já não sei precisar. Os serões nunca eram monótonos, fossem eles sem luz elétrica ou, mais tarde,  com luz elétrica.
     O avô João era pedreiro. Um homem direito e magro, que depois do trabalho tratava da horta e dos animais. Foi sempre um avô bondoso, que cuidou do trabalho, das terras, da casa e da família.
     O avô bebia aguardente com uns minicopos que ainda guardamos como preciosidades de outros tempos. Era ele que a fazia e, das reações de quem a bebia, era fogo ardente! Havia também o azeite, das azeitonas que ele e a avó colhiam, quando era o tempo.
     Já mais no fim da vida, viúvo, revejo a imagem do homem seco de carnes e cheio de coração.
     A avó Isabel era risonha, direita e magra. Não me lembro dela nova. Só me lembro dela já velhota. Admirava as suas saias, saiotes e aventais – por serem muitos e diferentes. Achava admirável que nunca tivesse cortado o seu longo cabelo, enrolado atrás e preso com ganchos largos. E havia os lenços que as mulheres colocavam na cabeça. Variados, também. Nas pernas usava meias até ao joelho ou mesmo até acima, presas com ligas. E o xaile. Imprescindível.
      Na verdade, os costumes são mais da Beira do que do Alentejo, até no vestir.
    A avó tinha muitas dores. Queixava-se que lhe doía aqui e ali. Ali e aqui. Foi decidido que talvez as termas fossem boas para ela. E num Verão lá fomos, todos os dias, com a avó a banhos. Era uma banheira cheia de água muito quente onde ela ficava durante, já não sei precisar, quanto tempo. Fora do edíficio o espaço era bonito e verdejante. E ela teve menos dores. Também era alérgica como eu e a Primavera não era muito agradável.
     Não sei se era boa cozinheira, mas cheira-me aos pratos que fazia – como as sapatinhas, que ainda hoje adoro.
     Vê-la no hospital ainda é real. Foi uma grande tristeza quando morreu.



sapatinhas


Maria Luís Koen





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