Memórias da aldeia
3. A casa da tia
Um
dia já não ficámos no sobrado escuro, nem na casa com lajes cinzentas de pedra.
Ficámos mais abaixo, na casa da tia.
A casa era grande, com dois pisos e duas
portas de entrada: uma na rua da casa velha, outra na rua paralela. Ambas davam
para o largo do poço por baixo da casa.
Quando entrava pela porta da rua da casa
velha, havia uma sala, grande, com janela. À esquerda dessa sala um outro
quarto, onde era antes o café. À direita, uma porta que dava para a varanda. Em
frente da sala, um corredor, que nos levava à cozinha grande, de aldeia, com a
lareira e o sítio certo para os potes com pedrinhas brancas, cheios de água que
se fora buscar ao campo, onde a água era pura. A cantareira tinha três ou
quatro potes, alguns pedrados, cheios de água fresca, que se bebia com um
púcaro. Os potes eram sempre muito bem esfregados e lavados antes de serem
novamente cheios com água. Para além dos potes, havia os pratos, alinhados e sempre à
mão.
Da cozinha podíamos ir para a varanda
larga e alta, que dava para o largo. Aí havia alguns vasos com plantas e muito
espaço. Também podíamos subir as escadas de madeira e ter acesso ao andar de
cima, com quartos – o sobrado, mas com janelas. Ou podíamos sair para a rua,
paralela à da casa velha. Bastava descer dois degraus e lá estava a Micaela,
que é de quem me lembro mais. Subindo essa rua íamos para a horta. Das pessoas
que aí moravam, não tenho memória.
Não havia eletricidade.
Depois do jantar,
no Inverno ou no Outono, sentados nas pequenas cadeiras de vime, ao lume de chão, havia
conversas e contos. Contos que o avô gostava de contar. Aqui, na casa da tia,
lá na casa velha ou ainda na outra, para onde, mais tarde, passámos a estar. Em
todas havia a lareira, o lume de chão e os contos. O avô gostava de contar e
nós de ouvir. O conto do João Soldado que meteu o diabo num saco, era o meu favorito. Conto demorado mas que
enfeitiçava quem ouvia...
“Era uma vez um soldado, chamado João, que foi servir a pátria. Ao
fim de vinte e quatro anos ganhou quatro vinténs e um pão... "
Maria Luís Koen
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