quarta-feira, 15 de maio de 2013

A Roda
1ª parte 5.


Marisa Reve

5.
Há uma química inequívoca entre os dois.
Ela deseja ser a capa que ele amacia, o tapete onde se estende. Quer sentir o cheiro e as mãos. O corpo a arder, é isso que deseja. Ele também. Percebe-se no olhar, na boca, nos gestos. As palavras que não diz, ou diz de outra forma.
E este quero não quero, vejo não vejo, sinto não sinto, continua.
Hoje conversam, amanhã vêm-se na normalidade da casa dos amigos ou conhecidos. No meio de risos e bebidas e algumas descobertas, ambos sentem o íman que os atrai.
Ele sente mas não avança, ela sente mas não diz. E assim caminham nos meses sem se tocarem.
- Ai Ana, nunca senti um desejo assim, que me consome nos dias e nas noites, todas as horas e todos os minutos.
- É amor, Roberta?
- É loucura. A loucura de querer saborear aquele mel.
Invejo-a. Também quero sentir como Roberta – com todas as emoções.
E a pergunta volta-me à memória:     
                                           És feliz, Ana?
Eu não sei se sou feliz ou se a felicidade existe. Vivo momentos de felicidade, como vivo obscuras raivas e profundas tristezas.
- Vou fazer tudo para estar com ele. Sim, Ana, eu sei que sou casada mas aqueles lábios não me saem da cabeça. De noite e de dia, o mesmo pensamento teima em perseguir-me. Chega a ser desumano, compreendes?
Olhamo-nos como sempre em frente ao mar. Ali há sempre vento e é sempre Maio.
- Não sei que diga nem se compreendo: uma paixão assim nunca foi sentida por mim. É demasiado avassaladora para a minha  pacatez sentimental.
Minto, minto, minto. Tenho vergonha de tanta mentira, deste engano piedoso, deste suicídio lento que me acomete. Tenho vergonha desta descontracção, deste choro escondido e lento, desta falta de coragem, deste disfarce inventado. Das palavras sem cor que pronuncio, acumuladas em anos a viver numa caixa cheia de recriminações, de dores doentias, de atrofias tortuosas, estranhamente falsas. Sempre tive medo de sentimentos abismais, de me prender demasiado, de me expor. A paixão aterroriza-me mas também me leva a invejar e a querer experimentar ondas de loucura sem medos, sem feridas de morte, sem arpões cobertos de sangue, sem choros sentidos, sem beijos encantados. Justifico-me com o estou mais habituada a ouvir, muito pouco a criticar. A escuridão dos olhos de Roberta, no entanto, diz-me tudo: agora não vejo dor na sua palidez, mas muito ardor.
(Continua)
Maria Luís Koen


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