1ª parte 5.
Marisa Reve
5.
Há uma química inequívoca entre os dois.
Ela deseja ser a capa que ele amacia, o
tapete onde se estende. Quer sentir o cheiro e as mãos. O corpo a
arder, é isso que deseja. Ele também. Percebe-se
no olhar, na boca, nos gestos. As palavras que não diz, ou diz de outra forma.
E este quero não quero, vejo não vejo, sinto
não sinto, continua.
Hoje conversam, amanhã vêm-se na
normalidade da casa dos amigos ou conhecidos. No meio de risos e bebidas e algumas descobertas, ambos sentem o
íman que os atrai.
Ele sente mas não avança, ela sente mas não
diz. E assim caminham nos meses sem se tocarem.
- Ai Ana, nunca senti um desejo assim, que
me consome nos dias e nas noites, todas as horas e todos os minutos.
- É amor, Roberta?
- É loucura. A loucura de querer saborear aquele mel.
Invejo-a. Também
quero sentir como Roberta – com todas as emoções.
E a pergunta volta-me à memória:
És
feliz, Ana?
Eu não sei se sou feliz ou se a felicidade existe. Vivo momentos
de felicidade, como vivo obscuras raivas e profundas tristezas.
- Vou fazer tudo para estar com ele. Sim,
Ana, eu sei que sou casada mas aqueles lábios não me saem da cabeça. De noite e
de dia, o mesmo pensamento teima em perseguir-me. Chega a ser desumano,
compreendes?
Olhamo-nos como sempre em frente ao mar. Ali há sempre vento e é sempre Maio.
- Não sei que diga nem se compreendo: uma
paixão assim nunca foi sentida por mim. É demasiado avassaladora para a minha pacatez sentimental.
Minto, minto, minto. Tenho vergonha de
tanta mentira, deste engano piedoso, deste suicídio lento que me acomete. Tenho
vergonha desta descontracção, deste choro escondido e lento, desta falta de
coragem, deste disfarce inventado. Das palavras sem cor que pronuncio,
acumuladas em anos a viver numa caixa cheia de recriminações, de dores
doentias, de atrofias tortuosas, estranhamente falsas. Sempre tive medo de
sentimentos abismais, de me prender demasiado, de me expor. A paixão
aterroriza-me mas também me leva a invejar e a querer experimentar ondas de
loucura sem medos, sem feridas de morte, sem arpões cobertos de sangue, sem
choros sentidos, sem beijos encantados. Justifico-me com o estou mais habituada
a ouvir, muito pouco a criticar. A escuridão dos olhos de Roberta, no entanto,
diz-me tudo: agora não vejo dor na sua palidez, mas muito ardor.
(Continua)
Maria Luís Koen
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