segunda-feira, 13 de maio de 2013

A Roda
Parte 1
4. Ana


Basi Mateo




4 .
ANA

É meia-noite, já passa. A televisão está ligada mas sem som, a música que se ouve ao longe vinda de um outro apartamento não me ajuda na leitura. Leio A Terceira Rosa de Manuel Alegre. Tento, porque não consigo concentrar-me. Penso naquele estalo que me deixou perplexa. Nem eu nem a Júlia entendemos o que se passou. Joana saiu porta fora, sem explicação. Até agora não telefonou a qualquer uma de nós e o telemóvel está sempre desligado. Voltámos para casa logo após o ocorrido. Júlia não quis subir e ainda bem. Não me apetecia muito conversar. Tomei um duche quente, vesti o pijama,  tentei preparar umas coisas para Segunda-Feira mas não consegui. Agora já estou deitada e penso que o dia de amanhã vai ser longo e aborrecido. Vou ter que telefonar à Roberta, combinar um café ao fim da tarde. Pressinto, pela voz, que não está nada bem. A minha profissão também não me ajuda – nem este hábito de conseguir ver para além do normal. Há quem lhe chame pressentimento, algo incompreensível para muitos, uma espécie de antena interior que uso  para ver por dentro, ver o que muitas vezes não querem mostrar.  Às vezes tenho medo. Medo do que não quero ver, medo do que vejo e não aconteceu ainda, medo das sensações que a visão me traz.


(continua)
Maria Luís Koen










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