terça-feira, 21 de maio de 2013

A Roda
6- continuação

Andre Kohn

-Vamos sair um pouco. Precisamos todas de rir um bocado e beber uns copos, Ana. Vou telefonar à Roberta, à Júlia e à Amélia. Às dez e meia na minha casa ou, se preferirem às onze no bar da Rua 16.
- Bar da Rua 16??
Na verdade sinto-me cansada e seria melhor ficar no sofá e terminar a Terceira Rosa mas, por outro lado, o dia duro que tive no consultório leva-me a querer tirar da cabeça histórias e dramas quotidianos. A ideia de Joana acaba por me agradar sobremaneira. Tomo um duche rápido que me revigora e enquanto passo hidratante no corpo penso no pobre Miguel. Não sei porque me lembrei dele.
O escocês ruivo olha-nos um pouco de soslaio. E não é para menos. Somos cinco mulheres que dominam o ambiente essencialmente masculino. Coisas de Joana, a advogada feminista que gosta de provocação. Jogo perigoso.
Quando cheguei ela já lá estava. Havia escolhido a mesa central. O bar restaurante estava decorado em tons de azul cor do mar revoltoso e branco, um balcão cor de areia, comprido, a contrastar.  Quando telefonou pediu que fosse vestida de branco.
- Branco? Sabes bem que não tenho roupa dessa cor!
- Vem de branco e vem bonita.
O que me obrigou a ir à Boutique onde vou sempre tentar comprar um fato branco. Felizmente que a Berta da boutique ainda tinha dois em stock: calça e casaco que realçavam a minha figura. Berta tornou-se numa amiga de tantos anos a visitar, de tanto me aconselhar, de tanto confidenciar. Mas não parecia ela. Um olho arroxeado tornava-a diferente. De uma queda, batera no vão, uma infelicidade, um azar apenas estético – foi a resposta quando a questionei sobre o assunto. Na verdade não fiquei muito convencida, os olhos não mentem, mas estava com alguma pressa e deixei o assunto arrumado para mais tarde. “Volto depois para pagar, Berta”.
Sapatos castanhos e mala a condizer com os cabelos cor de mel, a cair a meio dos ombros e olhos sombreados , foi assim que o barman me viu entrar. Não fora o perfume favorito e o baton suave e não me teria sentido tão segura ao ser nitidamente esventrada por mil olhares até me sentar ao lado de Joana.
-Mas, porque escolheste este bar? Parece que só vejo homens.
-Ó Ana, e isso importa? Sorriu, vestida sensualmente num vestido branco decotado. Cabelo curto, castanho escuro avermelhado, com madeixas, era aquela Joana enigmática e felina que os homens tanto queriam e temiam.
Entretanto chega Roberta, fato saia e casaco branco, lenço de seda preto e branco, cabelos negros compridos, olhos escuros de pantera, que sorri para nós, de imediato acenando para Júlia, que espera por Amélia. Júlia, olhos azuis a condizer com a bijuteria, a blusa branca com decote e a saia branca e justa a cobrir as botas brancas e, por fim, Amélia, cabelo louro escuro, olhos verdes, sorriso franco a condizer com a saia plissada e a blusa arrendada, brancas. Rimos as cinco porque nos achamos bonitas e a ideia da Joana de irmos as cinco de branco foi seguida à risca, formando um conjunto agradável ao olhar e que transmitia alegria e boa disposição. Nestas alturas sentia-me sempre feliz, como se a carga do luto se desvanecesse e secretamente me sentisse de novo viva e com vontade de mais. Uma paz que chegava devagarinho, subia pelo corpo até ao coração, um sol que despontava de mansinho.
O barman tenta, ao que parece sem grande sucesso, responder às múltiplas solicitações de alguns clientes e, talvez já irritado, decide oferecer-nos uma bebida no intuito de evitar a curiosidade alheia.
Mas nós também estamos curiosas. Muito curiosas mesmo. Queremos saber a razão da estalada no Ruivo, da cor branca, daquele bar e se o noivado com o Miguel continua.
                                   É jogo?


(continua)
Maria Luis Koen

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