Parte I
3. continuação
Gianni Strino
- Mas porque choras? Homens é o que não
falta por aí, dizia para a animar. Tu és linda e inteligente, ganhas bem, és
independente, podes refazer a tua vida sentimental com rapidez se assim
quiseres.
Por tudo isto ela ainda se sentia mais
irritada por dentro. Pensava no seu orgulho ferido e não procurava perceber o
porquê de tudo aquilo. Quando voltou para casa, meio cega de dor, raiva,
desespero, procurou nas gavetas os álbuns e rasgou todas as fotos do casamento,
as cartas que ele lhe tinha escrito quando ainda namoravam, partiu as pulseiras,
deitou a aliança na sanita, destruiu os lençóis da cama, espezinhou as roupas. Gritou
no vazio da casa, fumou cigarros ininterruptamente e bebeu para esquecer. Quis
também apagar os cheiros, as imagens e as recordações. Chorou por não
conseguir. Anestesiou-se em comprimidos para dormir. Chorou muitos dias mais,
quando ninguém via, até uma manhã qualquer acordar e dizer: Basta! Os olhos não
mais se encharcaram mas a angústia continuou por tempo indeterminado, o nó na
garganta. O vazio também. As recaídas de
pena de si mesma aconteceram amiúde. Deixou, no entanto, de haver raiva ou
ódio. O nó permanente na garganta, porém, continuou, a mágoa, a ferida por sarar,
luto continuado de marido vivo – ferida de combustão lenta, de evolução
sofrida. Não podia dizer: “Estou triste porque o meu marido morreu”. Mas
estava. Triste porque o marido morto, estava vivo. E as perguntas, sempre as
mesmas, continuaram a perturbá-la : por que é que o Pedro arranjara outra mulher?
Onde tinha falhado? Não era feia, considerava-se brilhante, entendiam-se bem
sexualmente. Da raiva, da interrogação, do desespero, passou pela solidão,
ansiedade, até fadiga. É o luto, a dor demonstrada da separação.
- Porquê, Ana? Onde falhei, Ana? Tenho tudo
e não tenho nada. Sinto-me totalmente vazia, oca, ferida de morte.
Não soube responder. Apenas quando conheci
a “puta” mulher de Pedro, certa vez que os encontrei no “Froscas” e pude
conversar um pouco com o casal, só nessa altura pude dar resposta às perguntas
de Júlia. E entendi tão bem. A puta não era tão intensa e brilhante e
inteligente como Júlia mas, ao contrário desta, era meiga e de uma doçura capaz
de encantar o mais empedernido dos seres humanos. Pedro sempre vivera dominado
por Júlia, mulher de personalidade demasiado forte para ele, um homem
corpulento mas dócil. Ele admirava
Júlia e sentia –se dominado por ela. No dia em que conheceu a puta num acidente de viação um pouco grave, tudo
mudou para ele, para a puta da enfermeira que se tornaria na sua segunda mulher
e para Júlia.
- Pedimos sobremesa? Três saladas de fruta por favor.
E eis que o Ruivo entra. No ar cheira a
tensão. Eu e Júlia trocamos olhares. Esperamos um turbilhão de sentimentos,
gestos ou palavras. Ele aproxima-se da nossa mesa. Sinto a palidez de Joana. Continuo sem perceber porque ela quis
vir aqui.
- Boa noite minhas senhoras.
Ela levanta-se, dá-lhe um estalo e sai
porta fora.
(continua) - ver "Páginas" - A Roda
Maria Luís Koen
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