Leonid Afremov
6.
Sara
era feia.
Tão
feia que é difícil descrever.
Os
olhos estavam sempre encovados, rodeados de olheiras escuras, tinha os dentes
tortos na boca grande, as mamas descaídas apesar dos vinte anos, o cabelo
desgraçadamente escorrido e espigado. Depois, era alta e magra mas não era
elegante e sim desengonçada. Uma calamidade em termos de beleza, a que era
difícil fugir ou deixar de olhar.
Era
tão feia que as pessoas paravam, não conseguiam deixar de a mirar, às vezes com
despudor, outras vezes disfarçadamente, mas olhavam sempre, como se ser feia
fosse um íman. Ela, no entanto, parecia não ver o quanto chamava a atenção,
parecia não saber que era feia, parecia não ligar a nada. Não parecia sentir-se
incomodada ou infeliz, frustrada ou deprimida. Era feia, pronto. O que podia
fazer?
Às
vezes as amigas mais chegadas diziam-lhe que devia arranjar melhor o cabelo,
pintar um bocadinho os olhos e os lábios, ir ao dentista arranjar os dentes. Mas
Sara fazia ouvidos de mercador e continuava a vida dela, parecia contente por ser
tão feia. Já as colegas não estranhavam que ela fosse assim, depressa se
habituaram aquela figura estranha, desengonçada e torta, que parecia estar sempre a cair.
As
amigas de Sara eram raparigas normais, até bastante bonitas e saudáveis. Muitas
vezes, quando ela não estava presente, eram um bocadinho más nos comentários
que faziam mas, no fundo, gostavam da
amiga, sentindo até um pouco de pena dela, achando que Sara nunca seria de
facto feliz, nunca teria vida própria, que seria uma bela tia, a tia feia – e riam
de maldade.
No
dia em que houve trovoada e choveu torrencialmente, Sara apareceu no café do
costume, onde se juntava com as amigas e convidou-as para uma ida até ao lago,
no fim de semana. Combinaram o farnel, a hora da chegada, o ponto de encontro.
Nesse dia nem estava sol. Estava encoberto e havia nuvens escuras no céu a
dizerem que choveria mas elas não se importaram. Em vez do guarda sol levaram o
guarda chuva, em vez do fato de banho, um impermeável, em vez do sol abrasador,
um vento seco. E na hora combinada elas esperaram por Sara, que demorava.
E
de repente a chuva.
Chuva
e mais chuva, as pernas a ficarem molhadas, os cabelos despenteados e a feia
nada. Sem saberem o que fazer esperaram mais um pouco, até que, lá bem ao
longe, no meio da trovoada, um vulto finalmente aparece, a caminhar lentamente.
Já
fazia frio e a Sara demorava a chegar. Elas queriam sair dali para um lugar
mais seco e mais quente, aborrecidas com o atraso da Sara feia, desengonçada,
estúpida, atrasada. Só lhe saiam da boca nomes feios, na irritação de se verem
encharcadas.
E
Sara veio, o vulto cada vez mais perto, cada vez mais nítido. Sara trazia
companhia, não vinha sozinha. Um braço forte aconchegava-lhe o corpo
desengonçado. Um braço que pertencia a um corpo grande e forte, que caminhava
com desenvoltura. Eram dois vultos num só, onde sobressaia um pescoço largo que
amparava uma cabeça cheia de cabelos pretos, onde brilhavam uns olhos esverdeados
cheios de amor por Sara. Era um homem tão
belo quanto Sara era feia e isso deixou-lhes
as pernas roxas, os olhos abertos, as bocas imóveis de espanto.
Chovia
sem parar.
A
chuva parecia lavar a Sara feia
– que estava bonita, sim, estava bonita.
Maria Luís Koen
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