1ª parte
Danielle Duer
3.
JÚLIA
O “Froscas” é um restaurante típico, bem
situado, numa zona central da cidade, famoso pelas suas noites de fado e de
canções, às vezes modas, nunca esperadas, vindas de quem lá aparece para comer.
É discreto na decoração tipicamente alentejana e também discreto na iluminação
e até na loiça que usa, toda de barro. Tudo está sempre bem confeccionado, a
doçaria é excelente, os empregados q.b. de simpatia. Foi comprado pelo
engenheiro Ruivo, homem moreno, com bigode muito português, por quem a Joana se
apaixonou numa noite de comes e bebes depois de um caso que no Tribunal lhe
dera muito trabalho mas que acabara por conseguir a favor do seu cliente. O
Ruivo, como tantos outros, não conseguiu resistir ao charme um pouco sensual e
louco de Joana e, nessa mesma noite, depois de várias ofertas da gerência da
casa, acabaram os dois na mesma cama e no seu apartamento. O romance ia de vento em poupa e uma semana após a festa de despedida
de solteira da Joana toca o meu telemóvel – era o Ruivo. Como explicar a um homem, português de
bigode, machista o suficiente, para quem as mulheres são seres frágeis e difíceis
de entender, pertença do macho e apenas isso, os medos e as paixões de Joana?
Vamos no carro, um Audi A4 azul escuro, e
ela não pára de falar. Embora se diga que a mulher fala muito mais do que o
homem – divago - de qualquer forma e sem abordar um tema especifico, nos
Estados Unidos onde fazem estudos sobre tudo e mais alguma coisa, um professor da
Universidade do Arizona investigou esta questão. Também no México, um grupo de
psicólogos decidiu saber se é de facto verdade que a mulher fala mais do que o
homem. Curiosamente ou não, o estudo veio provar que esta “tese” está errada e
que, na verdade, há apenas uma diferença de sete por cento no que respeita ao
número de palavras ditas pelos sexos masculino e feminino. Ora um tal número é pouco
ou nada relevante em termos estatísticos. Joana não entrou nos referidos estudos,
é certo, e a verborreia continua: casos do tribunal, pessoas que não conheço, dramas
dos clientes, uma qualquer associação que quer formar, do vestido que vai
comprar – Achas melhor branco ou creme, Ana? - da boda, do apartamento do
Miguel e da mobília dele que ela detesta, do avô que está quase morto e só
pensa em mulheres, da avó que doentiamente só pensa nele. Uma grande mistura de
palavras, personagens, temas e situações que formam um grande novelo
emaranhado, um todo sem nexo à primeira vista, mas que acaba por tecer um
estreito fio conducente a uma teia cada vez maior, de que faço também parte,
mesmo sem querer. E o ciclo vai-se repetindo, situações que já vivi,
sentimentos que já partilhei, coisas em que já acreditei. Ela fala sem parar e
eu não sei, não percebo este rumo, não acredito neste amor de que ela fala, nos
sentimentos sem um fim, na felicidade sem limite. E as palavras dela batem no
meu destino, que não sei qual é, talvez até saiba, na minha luta intima, do que
esperei e não consegui. Do que esvoaçou e perdi.
- Tu decides, Joana. Da última vez dei a minha opinião e não
houve casamento. E já agora, porque vamos ao Froscas? Achas que o Ruivo vai
ficar contente por te ver? Sabendo
que vais casar e que o deixaste há seis meses sem uma explicação que se
perceba?
Eu sei que não sou bonita como a Roberta,
nem sensual como a Joana ou inteligente como a Júlia, mas… de todas as minhas
amigas sou a única com um pingo de bom senso. Daquele bem seco, sabido,
conhecedor de ratoeiras, e de almas podres, bafientas, sujas e tristes. E o bom
senso diz-me que ir almoçar ao “Froscas” neste Domingo com cheiro a trovoada
não é uma boa escolha. Ana, a intuitiva, a falar. Tenta compreender em vão pois
Joana já combinou e reservou mesa em nome da Drª Júlia Ribeiro, brilhante Juíza
da terra.
Que diferente era a Júlia dos tempos do
Secundário – demasiado tímida para se expor, demasiado introvertida para falar
em público. E agora…
Júlia foi e é uma grande admiradora da
Dra.Ruth Garcez, a primeira mulher juiz de Portugal. Por tanto a admirar, decidiu-se
por frequentar Direito e depois ingressou no curso de formação inicial de
magistrados, ministrado pelo CEJ - Centro de Estudos Judiciários, optando pela
Magistratura Judicial, ao contrário de Amélia que optou pela Magistratura do
Ministério Público. Sempre que a vejo sinto-me pequena. Júlia é brilhante e inteligente. Os olhos azuis, ora claros ora escuros, dizem tudo. Fala
rapidamente e o tom de voz, apesar de calmo, é objectivo e incisivo. Tem uma
vida boa, alguns sobressaltos, nada que não consiga superar, e três filhos adolescentes
lindos. Às vezes fico a pensar como
seria bom se eu tivesse filhos. Sobrinhos não é a mesma coisa. Será o relógio biológico?
(continua)
Maria Luís Koen
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