segunda-feira, 6 de maio de 2013

A Roda
1ª parte

Danielle Duer


3.
JÚLIA
O “Froscas” é um restaurante típico, bem situado, numa zona central da cidade, famoso pelas suas noites de fado e de canções, às vezes modas, nunca esperadas, vindas de quem lá aparece para comer. É discreto na decoração tipicamente alentejana e também discreto na iluminação e até na loiça que usa, toda de barro. Tudo está sempre bem confeccionado, a doçaria é excelente, os empregados q.b. de simpatia. Foi comprado pelo engenheiro Ruivo, homem moreno, com bigode muito português, por quem a Joana se apaixonou numa noite de comes e bebes depois de um caso que no Tribunal lhe dera muito trabalho mas que acabara por conseguir a favor do seu cliente. O Ruivo, como tantos outros, não conseguiu resistir ao charme um pouco sensual e louco de Joana e, nessa mesma noite, depois de várias ofertas da gerência da casa, acabaram os dois na mesma cama e no seu apartamento. O romance ia de vento em poupa e uma semana após a festa de despedida de solteira da Joana toca o meu telemóvel – era o Ruivo. Como explicar a um homem, português de bigode, machista o suficiente, para quem as mulheres são seres frágeis e difíceis de entender, pertença do macho e apenas isso, os medos e as paixões de Joana?
Vamos no carro, um Audi A4 azul escuro, e ela não pára de falar. Embora se diga que a mulher fala muito mais do que o homem – divago - de qualquer forma e sem abordar um tema especifico, nos Estados Unidos onde fazem estudos sobre tudo e mais alguma coisa, um professor da Universidade do Arizona investigou esta questão. Também no México, um grupo de psicólogos decidiu saber se é de facto verdade que a mulher fala mais do que o homem. Curiosamente ou não, o estudo veio provar que esta “tese” está errada e que, na verdade, há apenas uma diferença de sete por cento no que respeita ao número de palavras ditas pelos sexos masculino e feminino. Ora um tal número é pouco ou nada relevante em termos estatísticos. Joana não entrou nos referidos estudos, é certo, e a verborreia continua: casos do tribunal, pessoas que não conheço, dramas dos clientes, uma qualquer associação que quer formar, do vestido que vai comprar – Achas melhor branco ou creme, Ana? - da boda, do apartamento do Miguel e da mobília dele que ela detesta, do avô que está quase morto e só pensa em mulheres, da avó que doentiamente só pensa nele. Uma grande mistura de palavras, personagens, temas e situações que formam um grande novelo emaranhado, um todo sem nexo à primeira vista, mas que acaba por tecer um estreito fio conducente a uma teia cada vez maior, de que faço também parte, mesmo sem querer. E o ciclo vai-se repetindo, situações que já vivi, sentimentos que já partilhei, coisas em que já acreditei. Ela fala sem parar e eu não sei, não percebo este rumo, não acredito neste amor de que ela fala, nos sentimentos sem um fim, na felicidade sem limite. E as palavras dela batem no meu destino, que não sei qual é, talvez até saiba, na minha luta intima, do que esperei e não consegui. Do que esvoaçou e perdi.
- Tu decides, Joana. Da última vez dei a minha opinião e não houve casamento. E já agora, porque vamos ao Froscas? Achas que o Ruivo vai ficar contente por te ver? Sabendo que vais casar e que o deixaste há seis meses sem uma explicação que se perceba?
Eu sei que não sou bonita como a Roberta, nem sensual como a Joana ou inteligente como a Júlia, mas… de todas as minhas amigas sou a única com um pingo de bom senso. Daquele bem seco, sabido, conhecedor de ratoeiras, e de almas podres, bafientas, sujas e tristes. E o bom senso diz-me que ir almoçar ao “Froscas” neste Domingo com cheiro a trovoada não é uma boa escolha. Ana, a intuitiva, a falar. Tenta compreender em vão pois Joana já combinou e reservou mesa em nome da Drª Júlia Ribeiro, brilhante Juíza da terra.
Que diferente era a Júlia dos tempos do Secundário – demasiado tímida para se expor, demasiado introvertida para falar em público. E agora…
Júlia foi e é uma grande admiradora da Dra.Ruth Garcez, a primeira mulher juiz de Portugal. Por tanto a admirar, decidiu-se por frequentar Direito e depois ingressou no curso de formação inicial de magistrados, ministrado pelo CEJ - Centro de Estudos Judiciários, optando pela Magistratura Judicial, ao contrário de Amélia que optou pela Magistratura do Ministério Público. Sempre que a vejo sinto-me pequena. Júlia é brilhante e inteligente. Os olhos azuis, ora claros ora escuros, dizem tudo. Fala rapidamente e o tom de voz, apesar de calmo, é objectivo e incisivo. Tem uma vida boa, alguns sobressaltos, nada que não consiga superar, e três filhos adolescentes lindos. Às vezes fico a pensar como seria bom se eu tivesse filhos. Sobrinhos não é a mesma coisa. Será o relógio biológico? 
(continua)
Maria Luís Koen


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