estória 7
João Alfaro
7.
Pensou dizer-lhe tudo, entrar no jogo, sempre e só a verdade: boa ou má, aquilo que sentia sobre tudo e todas as coisas. Foi assim o combinado.
No início não se apercebeu que um jogo dessas características seria perigoso. Foi jogando,
foi dizendo,
foi mostrando, sem pudor, todos os trunfos que tinha no baralho:
a alma nua, os gostos e desejos, as dores e sofrimentos, as paixões e ódios. Tudo ela lhe mostrou.
E ele bebia sofregamente o que Margarida lhe dava de presente. Sempre sequioso de mais informação,
de mais emoção.
Foi um despudor o que entre ambos aconteceu – um ardor, um crescendo desejoso de mais, cada vez mais. Um desvario descontrolado, em que cada um bebia o outro sem se tocarem, sem se verem, sem se conhecerem realmente. Falavam do mais fundo deles próprios, daquilo que aos outros calavam.
Disseram tudo, não silenciaram nada, até o jogo se tornar bem perigoso. Até as suas vidas privadas se tornarem lúgubres, escuras, intoleráveis.
Margarida percebeu que a vida real não tinha já sentido, que queria aquele jogo. Era o seu alimento, a droga de que precisava para escapar ao desamor. Mas o crescendo do jogo parou. Havia que dar um outro passo, subir mais um degrau, fazer uma ultima jogada.
O degrau era alto, havia que dar um grande passo, esticar bem a perna para não cair. E a subida desse degrau foi sendo adiada para logo,
para amanhã,
para outro dia,
semana,
mês.
Por fim, o baralho caiu, faltavam uns minutinhos, um gesto, uma cartada e, afinal, tudo se desmoronou.
Foi uma dor tão funda que Margarida ainda hoje não recuperou.
Perdeu tudo.
Perdeu o jogo e a vida real.
Perdeu-se.
A vida não espera e ela continua lutando, mas já sente –
sente que não é capaz de se desnudar, de abrir novamente a janela para a brisa entrar.
Maria Luís Koen
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