Parte 1
4. Ana - continuação
Anyes Galleani
4. (continuação)
Quando estudei Carl Jung
na faculdade, aprendi que este considerava a intuição uma actividade psíquica
característica dos seres humanos. Para
ele, a intuição é um factor chave para podermos compreender a mente dos seres humanos.
Não só a intuição mas também outros factores como a sensação e o sentimento. Para entender a
mente de um ser humano há que considerar todos estes aspectos. Na altura li o
que pude e consegui sobre este tema mas agradava-me saber que Jung dizia que a
intuição acontecia não a partir do nosso consciente mas sim do inconsciente, e era um factor fundamental para a construção
da nossa personalidade . Por isso, deixei de estranhar e nem me assusto já ou
fico perplexa quando surge em mim, numa qualquer ocasião e a propósito de nada,
uma sensação rápida e inexplicável, uma intuição, algo que me acontece sem um
particular esforço ou premeditação. A cena no restaurante não me sai da cabeça
e, apesar deste dom que julgo ter, não consigo perceber, intuir ou sequer
antever, razões para o ocorrido. Ainda me levanto, já são duas da manhã, aqueço
leite no micro-ondas, junto um pouco de chocolate, bebo devagar enquanto oiço o
relógio pendurado na parede da cozinha. Lembra-me outros relógios, outras horas
passadas em tormenta, horas que nunca mais passam, minutos doridos de espera,
incansavelmente lentos, pelo segundo em que tudo acaba. Vou até à sala, abro as
janelas largas da varanda, mas o lago escuro não me acalma, não me aquieta. É
aquela desorientação a que não me habituo nunca, aquele estar sem saber como,
aquele não se sabe bem o quê que não está bem, aquela dor que não o é mas que
aflige, contínua e surda. Entro de novo, volto a ligar a televisão mas nada me
prende a atenção. Arrumo o que vejo fora do sítio, como que alucinada, em
gestos automáticos do tudo para preencher. São os olhos vazios dele que vejo, o
silêncio que se interpôs no caminho, as emoções que não se mostram, a pele fria
de tanto gelo, cera que ainda sinto. Vejo as palavras amargas e tristes a
saírem da sua boca, que eu já sabia há muito, os gestos que não se fizeram, os
comprimidos. A ventoinha cor de metal
gira, finos aros juntos em encruzilhadas quase perfeitas, que formam teias de
vento. Aquela falta de algo que me agonia, aquele silêncio de que não gosto,
que me incomoda no vazio da sala grande. O cigarro nas mãos trementes dele, já
quase no outro lado da vida, preso num fio invisível e cinzento. A morte pode
ser imperfeita.
Adormeço com a cabeça num turbilhão.
(continua)
Maria Luís Koen
Sem comentários:
Enviar um comentário