João Alfaro
8.
Havia vento que lhe
saía da boca. Às vezes ventania, às vezes brisa, outras apenas um bafo quente
de espanto, de alegria, de nada, de tudo.
Quando o vento parava,
as palavras não saíam, ouviam-se os cães a latir e os silêncios passavam por
entre raios de sol, assim, discretos, sem deixar que os outros sentissem que a
garganta estava seca como a areia no deserto.
Outras vezes parecia
que a tempestade chegara sem avisar, rugidos secos e uivos de cortar o coração.
Mas só quando o vento
lhe saía da boca é que Adriana se sentia livre de dizer, de falar, de tentar
sair do vaso e então espalhar a brisa pela noite demasiado fria, pelos tardes demasiado
secas, até as manhãs chegarem e ela as sentir suas.
Havia coisas terríveis
que ela sentia, havia sentimentos feios que escondia, coisas que não queria
dizer, que queria muito ocultar, ódios e invejas sem cor e, por isso, ela temia
a tempestade, que aparecia sem avisar, de rompante, seca, barulhenta,
destruidora.
E Adriana
arrependia-se de dizer aquelas coisas todas sem nada ocultar. Até parecia que
os dentes escureciam e a boca a mexer sem parar, as palavras a saírem numa
corrente molhada. Fecha a janela, fecha a janela, há que parar a tempestade,
deixa a brisa voltar, dizia a si própria, no medo de não conseguir e de se
afogar. Vinha então a calma das palavras doces, as pétalas suaves, os cheiros
que aparecem sempre depois da tempestade. Adriana ficava feliz.
Às vezes adormecia num
torpor sem memória, outras vezes nem a brisa aparecia. Apenas via o silêncio azul e então, sentia
vontade de chorar, uma mágoa que a atravessava e ela saía para a rua, para
cheirar, para afogar o espanto doentio, à procura de sinais, de rostos, de olhos
, de uma janela aberta para poder entrar. À espera que o vento, de novo, lhe
saísse da boca.
De novo ventania,
brisa,
tempestade
e depois silêncio
e acalmia.
Era assim a Adriana.
Maria Luís Koen
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