quinta-feira, 23 de maio de 2013

Pétalas


João Alfaro

8.

Havia vento que lhe saía da boca. Às vezes ventania, às vezes brisa, outras apenas um bafo quente de espanto, de alegria, de nada, de tudo.
Quando o vento parava, as palavras não saíam, ouviam-se os cães a latir e os silêncios passavam por entre raios de sol, assim, discretos, sem deixar que os outros sentissem que a garganta estava seca como a areia no deserto.
Outras vezes parecia que a tempestade chegara sem avisar, rugidos secos e uivos de cortar o coração.
Mas só quando o vento lhe saía da boca é que Adriana se sentia livre de dizer, de falar, de tentar sair do vaso e então espalhar a brisa pela noite demasiado fria, pelos tardes demasiado secas, até as manhãs chegarem e ela as sentir suas.
Havia coisas terríveis que ela sentia, havia sentimentos feios que escondia, coisas que não queria dizer, que queria muito ocultar, ódios e invejas sem cor e, por isso, ela temia a tempestade, que aparecia sem avisar, de rompante, seca, barulhenta, destruidora.
E Adriana arrependia-se de dizer aquelas coisas todas sem nada ocultar. Até parecia que os dentes escureciam e a boca a mexer sem parar, as palavras a saírem numa corrente molhada. Fecha a janela, fecha a janela, há que parar a tempestade, deixa a brisa voltar, dizia a si própria, no medo de não conseguir e de se afogar. Vinha então a calma das palavras doces, as pétalas suaves, os cheiros que aparecem sempre depois da tempestade.  Adriana ficava feliz.
Às vezes adormecia num torpor sem memória, outras vezes nem a brisa aparecia.  Apenas via o silêncio azul e então, sentia vontade de chorar, uma mágoa que a atravessava e ela saía para a rua, para cheirar, para afogar o espanto doentio, à procura de sinais, de rostos, de olhos , de uma janela aberta para poder entrar. À espera que o vento, de novo, lhe saísse da boca.
De novo ventania,
brisa,
tempestade
e depois silêncio
e acalmia.
Era assim a Adriana.

Maria Luís Koen




Sem comentários:

Enviar um comentário