sexta-feira, 3 de maio de 2013

Pétalas



Danielle Duer

5.
Sentia-se completamente desorientada.
Louca, desesperada.
Sem saber o que fazer.
Sem dinheiro no cartão, sem telemóvel, sem os números de telefone de ninguém, sem as moradas, sem nada.
Nada.
Sem carro ainda por cima.
Uma completa desorientação.
Foi assim que ele a deixou. A ela, parva, Francisca parva, que confiara cegamente nele. Confiara tudo: o coração, a alma, o dinheiro. Tudo. E agora não tinha nada. Nada excepto a raiva que emergia lentamente, a sobrepor-se ao desespero, a misturar-se com ele, a querer impor-se, a querer explodir, sair, abrir-lhe o peito para que ela chorasse, gritasse!
Ele saiu no carro dela uma manhã  e não voltou.
Tinha sido cruel e desonesto, totalmente horrível. E agora estava já em Setúbal, de certeza,  com a outra. Quis lá saber dela e da filha, das despesas no hotel, no que os pais diriam.
Pior que tudo é que o sol desaparecia e ela sem saber o que fazer, danada, triste, cansada.
 Cruel, falso! – gritava.
Como tinha conseguido fazer aquilo? Como? Deixá-la na praia de mãos a abanar, coração ao relento. 
Que diriam os amigos quando soubessem e a vissem desmembrada de afecto novamente?
Não queria que lamentassem esta falta de sorte ou que dissessem que o destino de Francisca era este. Este de acabar sempre abandonada, prostrada, limitada.
Queria tanto ter paz, sentir-se em paz, libertar o pensamento de toda a sujidade acumulada. Mas não conseguia. Não queria. Agora não. Agora estava de mãos vazias, de olhos vazios, de coração vazio. Agora estava imersa em falta de perdão, num lugar cheio de malmequeres brancos que não lhe diziam nada. Agora estava cheia de dor, uma dor calada e intensa que atravessava o corpo fraco, a boca inerte, as palavras que não saiam, o vazio dos olhos.
O mar, o cheiro a Verão, o barulho da água,, a filha a perguntar pelo pai, nada a fazia sair do torpor desgraçado que sentia, que subia e lhe apertava o pescoço. Esperou tanto que aquele momento não acontecesse, que não sentisse a perda, o abandono. E ali estava a cinza dos momentos que passaram juntos, o pó, o nada que sobrou.
Era já tarde quando o Miguel a encontrou sentada no hall de entrada do hotel.
A vida prega-nos muitas partidas - Francisca disse. Emprestas-me o teu telemóvel para fazer uma chamada?
E recomeçou outra vez do nada.

Maria Luís Koen




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