Artista: João Alfaro
Ontem fui à festa de despedida de solteira
da Joana. Joana, a louca. Trago do frigorífico um copo de leite frio, não me
apetece comer nada. Não estou desesperada, não estou nada. É esse o problema,
esta lucidez do nada de especial, do ninguém em particular, este lamurio
contínuo do que não se tem, este caroço na garganta, que não passa. A visão da
piscina redonda e azul lembra-me férias e descanso, fantasias e cansaços. Pouso
o copo na mesinha verde da varanda, sento-me agastada. É bom estar aqui. Acho
que ontem bebi demais… Tenho um fraquinho por Gin Tónico e abusei. É mesmo bom.
A minha casa é a minha concha, a minha protecção, embora não consiga tirá-lo da cabeça. Já
passaram cinco anos e às vezes não durmo, a cabeça cheia de teias, memórias
perdidas, andando pela casa até de madrugada, agulhas finas que se espetam, que
magoam, difíceis de controlar. A escuridão dos óculos escuros, o cheiro do
cemitério, a outra a chorar como eu. Há barulho na piscina, a que eu chamo, com
alguma ironia, o meu lago. Um lago azul de onde partem ou chegam vários
caminhos, mais precisamente oito, que levam aos diferentes apartamentos do
condomínio redondo, como se de uma roda gigante se tratasse. Do lago chegam
vozes de brincadeira, salpicos de alegria que condizem com o espaço. Fecho os
olhos, saboreio o momento vivo, não tenho saída, não quero beber demais, não
vale a pena arranjar uma razão à pressa para viver, para ser idiota em querer
encontrar o verdadeiro amor, aquele que é eterno. Não existe, é história de
príncipe encantado, cavaleiro montado em corcel branco. Suspiro com um certo
desgaste, como nos dias em que não há trabalho e que, ainda assim, nos sentimos
pesadas. Um peso doentio, que nunca deixa saudade, um pó que custa a limpar, um
vazio de nada querer, nada fazer, nada poder.
Começo a estar cansada das festas de
despedida de solteira da Joana. Esta é a terceira mas não é o terceiro
casamento. Nem sequer o primeiro e não sei se ela vai ficar por aqui. Quando me
telefonou nem imaginei que fosse mais do mesmo:
-Ana a minha festa de despedida de solteira
é no próximo Sábado, no “Arriba”. Aparece
cá em casa por volta das dez da noite. Depois conto, aparece.
A Joana sempre me conseguiu surpreender com
as suas maluquices. Boa advogada, independente, mas com dois terríveis defeitos:
falar demais e adorar homens. Sim, sempre procurou conquistá-los mas,
conseguido o feito... acabava o romance, o amor, como ela diz. De facto nunca entendi
bem este lado tão exageradamente sensual de Joana.
“O que queres Ana? Não consigo evitar,
aqueles olhos verdes... aquela boca... aquelas mãos... quero tudo para mim, por
toda a minha vida. Este é o tal, Ana.”
Quantas vezes ouvi estas palavras ou similares?
Sorrio. A Joana não é bonita. É cor de chocolate de leite, baixinha e um pouco
roliça, mas tem um charme e uma sensualidade felina que põe de lado qualquer
mulher. Quando ela anda, eles olham. E
quando ela fala... não conseguem evitá-la. Um perigo ambulante, como gostam de me confidenciar. “Quando casar aquilo passa”, dizia-me em
segredo a avó. “Eu também era assim. Até que conheci o meu homem e me perdi de
amores por ele. Aos quinze anos fugi para a mata para me encontrar com um rapaz
de quem muito gostava e só parei
quando na Praça um homem me deu um tal encontrão que deixei cair as maçãs. Foi
fulminante filha. Tiro e queda. Até ao dia em que ele morreu não quis outro homem”. O avô de Joana não era
homem pobre, a herdade onde vivia era grande como ele, como a vontade dele, as
viagens e as mulheres que tinha sem conhecimento da esposa, pensava ele. Mas a
avó de Joana sabia. E sofria. Minguava a
olhos vistos, mas sorria. Anos e anos sorriu e dormiu com ele, amou-o cheia de
dor, de desespero, de raiva. Amou-o de solidão, amou-o até um dia, seca de
paixão, ele morrer. Talvez que a Joana tivesse herdado essa costela passional da
avó, do avô as inúmeras paixões descartáveis, consideradas mais masculinas do
que femininas. Por isso era muitas vezes criticada, em especial por colegas
invejosos ou por mulheres mal amadas, mas ela somava e seguia. Como me dizia a
avó: “Enrolados num cordel chegam até
Portel!”. Já teve namorados e noivos de todos os géneros e feitios. Mas todos com um denominador comum: sempre engenheiros. Poderia chamar-lhe fetiche e, quando abordo
essa questão, ela ri e diz que não sabe a razão de tal tendência. Talvez porque
goste de números, opostos a uma carreira de letras, como a dela. Para não
variar, o futuro marido é engenheiro. Não,
não sei como ela os conhece, só sei que se apaixona por eles e depois os deixa.
(continua)
Maria Luís Koen
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